FLÁVIO DE SOUZA
1
Meu pai chegou bravo do serviço.
Eu saí de perto.
Ele subiu para o quarto, minha mãe foi atrás.
Era um daqueles dias.
Eu sabia que ia ouvir gritos.
Socos na porta do guarda-roupa.
Senti vontade de chorar.
Mas não chorei. Porque...
Homem não chora.
2
Meu pai tinha sido despedido do emprego.
O jantar foi silencioso.
Todo mundo comeu pouco e fomos logo dormir.
Mas o sono não vinha.
Revirei-me setecentas e trinta e oito vezes na
cama.
Então, eu chorei. Bem baixinho.
Eu tentei segurar, mas não deu.
Homem não chora?
3
Aí eu ouvi um barulho lá embaixo.
Tomei coragem e desci.
Alguém estava chorando.
Era meu pai.
Sentado, sem jeito, na cozinha.
Parecia uma criança.
Sem pensar, eu sentei no colo dele.
Ficamos assim um tempão.
E eu só consegui sussurrar:
Homem não chora!
4
De manhã, ele parecia outro.
Rude, nem disse tchau quando saiu.
Eu olhei bem para ele.
Não era mais uma criança.
Era um homem bravo.
Bravo com o mundo.
E foi aí que eu achei
Que tinha sido tudo um sonho.
Eu pensei:
Eu não sentei no colo dele...
Ele não chorou...
Homem não chora!
5
Na escola, parecia que eu nem estava lá.
Não prestei atenção em nada.
Não conseguia esquecer:
os soluços...a mão dele segurando
a minha com força.
Fiquei de novo com os olhos molhados,
Querendo pingar.
Mas eu segurava e me dizia:
Seja homem. Não chore!
6
De noitinha, eu fiquei pensando.
Ele ia voltar e ia acontecer de novo a
brigalhada.
Aí eu ouvi o barulho do carro. Parou.
Desligou o farol. Abriu a porta...
E meu pai entrou em casa com um sorriso
deste tamanhão.
E com lágrimas escorrendo pela cara.
"Mas não é possível", eu pensei,
Homem não chora...
7
Ele tinha achado emprego, até melhor!
E estava feliz. E chorando.
E eu não entendia mais nada.
Ele abraçou. Beijou minha mãe.
E foi o jantar mais feliz daquela copa-cozinha.
Eu ria. Mas a minha cabeça estava
em confusão:
Homem... não! Chora?
8
E aí eu resolvi perguntar para eles.
E os dois, abraçados, me contaram que
chorar não é defeito.
Serve para acalmar.
Para colocar a tristeza para fora.
E a alegria para dentro.
Que bom!
E que os lobos, quando estão tristes, uivam
para a lua.
Os pássaros voam sem parar.
Os peixes nadam no escuro. Mas...
Homem, não. Chora.
Flávio de Souza é formado em Artes Plásticas, teatro, literatura, dança, canto... Flávio é um verdadeiro artista e leva vida de artista em São Paulo, onde mora e trabalha. Cria e escreve roteiros de TV e livros infantis e juvenis.
Atividades
Recorte e cole no seu caderno de estudos. Depois, responda as questões.
1. Qual das personagens narra essa história? Copie um trecho do texto que confirme sua resposta.
2. No início do texto, o pai apresenta uma postura. Na terceira estrofe, essa postura se modifica.
a) Como o pai age no início do texto? Por quê?
b) O que mudou na postura dele, na 3ª estrofe? Por quê?
c) E no final do texto, como o pai age? Por quê?
3. No texto observamos que o pai do menino chora algumas vezes. Ele chora sempre de tristeza? O que fez o pai chorar sem ser de tristeza?
Conte uma situação em que você chorou de: a) tristeza b) dor c) alegria
4. Na 7ª estrofe o menino diz que está confuso. Por que ele ficou confuso? Explique.
5. Na história temos dois problemas (conflitos). Quais são eles? Qual a solução encontrada para cada um?
6. Numere as informações de acordo com a sequência em que aparecem no texto.
( ) O pai tinha perdido o emprego. Todos ficam muito chateados. O menino não consegue dormir.
( ) Na escola, o menino não esquece a imagem do pai soluçando, mas segura o choro.
( ) O pai chega bravo do trabalho. O menino sente-se triste, porque sabe que o pai está nervoso.
( ) O menino encontra o pai chorando e tenta consolá-lo.
( ) À noite, o pai chega em casa chorando de felicidade porque conseguiu um novo emprego.
( ) O menino descobre que chorar é natural e pode até fazer bem.
7. Observe estes dois trechos do texto. Eles apresentam as mesmas palavras, porém com pontuações diferentes. Qual o significado de cada um deles?
a) "Homem não chora!" (3ª estrofe)
b) "Homem, não. Chora." (8ª estrofe)
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