14/09/2013

PECHADA - Luís Fernando Veríssimo

 

O apelido foi instantâneo. No primeiro dia de aula, o aluno novo já estava sendo chamado de "Gaúcho". Porque era gaúcho. Recém-chegado do Rio Grande do Sul, com um sotaque carregado. 

 

– Aí, Gaúcho! 

 

– Fala, Gaúcho! 

 

Perguntaram para a professora por que o Gaúcho falava diferente. A professora explicou que cada região tinha seu idioma, mas que as diferenças não eram tão grandes assim. Afinal, todos falavam português. Variava a pronúncia, mas a língua era uma só. E os alunos não achavam formidável que num país do tamanho do Brasil todos falassem a mesma língua, só com pequenas variações? 

 

– Mas o Gaúcho fala "tu"! – disse o gordo Jorge, que era quem mais implicava com o novato. 

 

– E fala certo - disse a professora. – Pode-se dizer "tu" e pode-se dizer "você". Os dois estão certos. Os dois são português. 

 

O gordo Jorge fez cara de quem não se entregara. 

 

Um dia o Gaúcho chegou tarde na aula e explicou para a professora o que acontecera. 

 

– O pai atravessou a sinaleira e pechou. 

 

– O que? 

 

– O pai. Atravessou a sinaleira e pechou. 

 

A professora sorriu. Depois achou que não era caso para sorrir. Afinal, o pai do menino atravessara uma sinaleira e pechara. Podia estar, naquele momento, em algum hospital. Gravemente pechado. Com pedaços de sinaleira sendo retirados do seu corpo. 

 

– O que foi que ele disse, tia? – quis saber o gordo Jorge. 

 

– Que o pai dele atravessou uma sinaleira e pechou. 

 

– E o que é isso? 

 

– Gaúcho... Quer dizer, Rodrigo: explique para a classe o que aconteceu. 

 

– Nós vinha... 

 

– Nós vínhamos. 

 

– Nós vínhamos de auto, o pai não viu a sinaleira fechada, passou no vermelho e deu uma pechada noutro auto. 

 

A professora varreu a classe com seu sorriso. Estava claro o que acontecera? Ao mesmo tempo, procurava uma tradução para o relato do gaúcho. Não podia admitir que não o entendera. Não com o gordo Jorge rindo daquele jeito. 

 

"Sinaleira", obviamente, era sinal, semáforo. "Auto" era automóvel, carro. Mas "pechar" o que era? Bater, claro. Mas de onde viera aquela estranha palavra? Só muitos dias depois a professora descobriu que "pechar" vinha do espanhol e queria dizer bater com o peito, e até lá teve que se esforçar para convencer o gordo Jorge de que era mesmo brasileiro o que falava o novato. Que já ganhara outro apelido: Pechada. 

 

– Aí, Pechada! 

 

– Fala, Pechada!

 

1 Motivação e pré-leitura 

 

O texto em questão traz como temática a variação linguística de região para região. Por isso, é importante que se faça alguma técnica relacionada a esse tema. Como sugestão, o professor pode colocar, em balões de cores amarelo, vermelho e verde (cores do RS), algumas gírias típicas de nosso estado e em outros as respectivas definições. Os alunos podem jogar os balões para cima ao som de uma música que lembre o RS e estourá-los, achando seus "pares", conforme gíria e significado. Entre as sugestões de palavras, estão as seguintes: 

 

Loco de faceiro – muito contente 

Alemoa - loira 

Bem capaz – de jeito nenhum 

Chinelão – pessoa baixo nível 

Cacetinho – pão francês 

Dar uma perneada - caminhada 

Lomba - ladeira 

Balaqueiro – contador de lorotas 

Bíci - bicicleta 

Súper - supermercado 

Berga – bergamota, que quer dizer tangerina, mexerica 

Sinaleira – sinal, semáforo 

Tri massa – muito bom 

Refri - refrigerante 

Tri a fim – muito a fim 

Viajou na maionese – delirou 

De cara - chocado 

É brincadeira – expressão de espanto 

Patente - privada 

Chimas – chimarrão 

Lagartear – tomar sol 

Cacetinho – pão francês 

Gororoba – comida feita de objetos não identificados 

Indiada – programa de índio, roubada 

Picar a mular – sair fora 

Se escalar – convidar a si mesmo 

Fechou o tempo – baixou o astral 

Montar num porco – ficar transtornado 

Tchê, qual é o teu pastel? – qual é a tua? 

Bah: abreviação de barbaridade. Usada para demonstrar surpresa, indignação, alegria, tristeza, alívio, animação, dor, aprovação, reprovação, desconfiança, desejo, admiração, impaciência, descontentamento, advertência, culpa... 

 

Em seguida, pode ser feita a leitura dessas expressões, e a dupla precisa pensar em uma situação de uso. A seguir, pode ser discutido o conceito de "variação linguística", e os alunos podem pensar nas seguintes questões: 

 

a) A língua que falamos é a mesma no Brasil inteiro? 

b) Alguém tem algum parente ou amigo de outro estado? Ele usa alguma expressão diferente daquelas que usamos? Qual? 

c) O que poderia acontecer se algum habitante de outro estado viesse morar em nossa cidade e estudar em nossa sala?

 

 

2 Leitura-descoberta 

 

a) Na primeira linha do texto, encontramos o adjetivo instantâneo. Qual é o significado dessa palavra? Explique por que o apelido dado ao menino foi instantâneo. 

 

b) Onde se passam as ações narradas? Indique palavras ou expressões que comprovam sua resposta. 

 

c) Diante do questionamento dos alunos sobre a fala diferente do gaúcho, qual foi a posição da professora? 

 

d) Observe a fala de Jorge: "Mas o Gaúcho fala 'tu'!" Considerando o contexto em que foi empregada, qual era a posição de Jorge a respeito do uso desse pronome? 

 

e) Em um determinado momento do texto, o Jorge fez uma cara "de quem não se entregara". Explique o porquê dessa cara. 

 

f) Por que o menino chegou tarde em um determinado dia? 

 

g) O motivo do atraso do menino ficou imediatamente claro para a professora e para os colegas? Explique. 

 

h) Em um determinado momento do texto, a professora fez uma correção na fala de Rodrigo. Indique-o e explique o porquê dessa correção. 

 

i) Cite algumas palavras que foram de "difícil tradução" por serem usadas apenas no RS. 

 

j) O que a professora descobriu sobre a origem da palavra responsável pelo novo apelido do Gaúcho? 

 

k) No primeiro parágrafo, temos a palavra "gaúcho" grafada com letra inicial maiúscula e, logo após, com letra inicial minúscula. O mesmo ocorre com a palavra "pechada" mais ao final do texto. Explique. 

 

l) Dê o referente dos seguintes pronomes do texto: 

· Ele (13º parágrafo): 

· Isso (15º parágrafo): 

· Dele (14º parágrafo): 

 

3 Pós-leitura 

a) O que aconteceria se um novo aluno, de outro estado, chegasse a nossa turma? Narre essa história. 

 

b) Imagine que um gaúcho precisasse ir a outro estado visitar algum parente. Que confusões devido à variação linguística aconteceriam?

 

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