- Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro.
- Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis nem sequer o que todos queriam: mudar-se para terra melhor.
- Mas João Teodoro acompanhava com aperto de coração o desaparecimento visível de sua Itaoca.
- – Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve três médicos bem bons – agora só um, e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está se acabando…
- João Teodoro entrou a incubar a ideia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível.
- – É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaoca não vale mais nada de nada de nada, então eu arrumo a trouxa e boto-me fora daqui.
- Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada…
- Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seríssima. Não há cargo mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado – e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!
- João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. Pela madrugada, botou-as num burro, montou no seu cavalinho magro e partiu.
- Antes de deixar a cidade, foi visto por um amigo madrugador.
- – Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens?
- – Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim.
- – Mas como? Agora que você está delegado?
- – Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. Adeus.
- E sumiu.
(Monteiro Lobato, CIDADES MORTAS. 12a Edição. São Paulo, Editora Brasiliense, 1965)
José Bento Monteiro Lobato nasceu em Taubaté (SP), em 1882, e faleceu na cidade de São Paulo, em 1948.
Lutou, através da imprensa e pessoalmente, pelo saneamento, pela exploração do petróleo e do ferro, pela educação e saúde do país. Essas questões o tornam um pré-modernista, pois transferiu para sua obra os problemas da realidade brasileira.
Monteiro Lobato, apesar de ser considerado um pré-modernista, um precursor das ideias modernistas repudiou o modernismo.
Sua obra pode ser dividida em duas categorias:
· Literatura geral: Cidades mortas, Urupês, problemas vitais, Negrinha, Ideias de Jeca Tatu, A onda verde. O choque das raças ou o presidente negro. O escândalo do petróleo, Mundo da lua, América, etc.
· Literatura infantil: Reinações de Narizinho, Emília no país da gramática, Geografia de Dona Benta, O saci, caçadas de Pedrinho, O poço do Visconde, Os doze trabalhos de Hércules, Histórias de Tia Anastácia, O Marquês de Rabicó, etc.
ATIVIDADES NO CADERNO
- Onde nasceu Monteiro Lobato e em que ano?
- Que profissões ou cargos exerceu?
- Que campanhas promoveu como editor?
- Como escritor, que tipo de literatura tornou-se conhecido?
- Cite algumas de suas obras
- Que conceito João Teodoro fazia de si mesmo?
- Pretendia evoluir, melhorar sua vida? Justifique com um trecho do texto.
- Que sinais compravam o deperecimento de Itaóca
- João Teodoro pode ser considerado um bom cidadão? Justifique
10. Feito a leitura, resolva estas questões, de acordo com o texto:
11. O texto de Monteiro Lobato retrata uma cidade que teve seus grandes dias na cultura do café. Pouco a pouco, entretanto, a cidade foi-se acabando. Dentre as alternativas abaixo qual a que explica a debilidade de Itaoca:
a.( ) A deficiência dos meios de transporte impedia o escoamento da produção do café.
b.( ) As pessoas mais cultas mudavam-se, buscando o conforto das grandes cidades.
c.( ) O enfraquecimento das terras fazia o eixo econômico deslocar-se para outra região.
d.( ) Os cargos importantes foram dados, por abuso de poder político, a pessoas incapacitadas.
12. O autor descreve João Teodoro como homem pacato, modesto, honesto, leal. Qual destas características poderia também fazer parte dessa descrição?
a.( ) otimista b.( ) derrotista
c.( ) idealista d.( ) conformista
13. João Teodoro resistiu à idéia de mudar-se, mas essa decisão não era definitiva. Em que situação ele se mudaria?
a.( ) Quando não tivesse mais ninguém morando na cidade.
b.( ) Quando a cidade voltasse a ser o que era antes.
c.( ) Quando algum fato o convencesse de que a cidade não oferecia mais motivo para continuar morando nela.
d.( ) Quando a cidade não tivesse mais nem médicos e advogados.
14. No entender de João Teodoro, as atribuições do delegado são: "…que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo." Ele está:
a.( ) certo, pois são essas as atribuições de todo delegado, de acordo com a Lei.
b.( ) errado, pois os delegados só podem prender ou soltar pessoas mediante autorização do juiz; não podem autorizar nenhum tipo de castigo corporal, psicológico ou mental.
c.( ) certo, porque são os delegados que decidem tudo o que deve ser feito na cidade onde atuam.
d.( ) errado, porque são do governador essas atribuições.
15. Dê o significado dos verbos destacados nas frases abaixo:
a. Nem circo de cavalinho bate mais por aqui.
____________________________________________
b. João Teodoro entrou a incubar a ideia de também mudar-se. ____________________________________________
16 . Dê o significado das seguintes palavras que aparecem no texto:
a. pacato (parág. 1) ________________________________
b. rábula (parág. 4) _________________________________
c. restolho (parág. 4) _______________________________
17. Explique a diferença de sentido entre:
a) ser delegado
b) estar delegado
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