20/08/2013

INOVAR NO INTERIOR DA ESCOLA Mônica Gather Trurler


Introdução

O estabelecimento escolar como nó estratégico da mudança planificada. Em que condições?
A obra tenta fazer o balanço sobre os conhecimentos da pesquisa, sobre as organizações e os processos de inovação, assim como de uma obser vação participante conduzida no âmbito de diver sos processos de inovação educativa, que compre ende todas as ordens de ensino, mas especialmente o ensino fundamental.

Propomo-nos a mostrar que o sentido da mudança é uma construção individual, coletiva e interativa, pois ela tem sua lógica própria e varia em função das culturas, das relações sociais e das transações que se estabelecem entre os interessados a propósito de uma mudança projetada.

Sejam quais forem sua cultura e seu funcionamento, a escola desempenha um papel não desprezível na construção do sentido da mudança, porque constitui o ambiente do trabalho cotidiano tanto quanto uma comunidade de integração.

Organização do trabalho, lógicas de ação e autonomia

Os estabelecimentos escolares constituem formas organizacionais que sobrevivem a muitas mudanças em sua missão, seu meio, seus recursos e, na renovação permanente dos alunos, dos professores e dirigentes. Quando a busca de estabilidade passa a ser a lógica de uma organização, suas características positivas têm um custo elevado em rigidez, protecionismo territorial e medo da desordem.

Os trabalhos sobre inovação mostram que a organização burocrática e hierárquica do trabalho, não é o único freio a mudança. Nenhuma organização é tributária de uma só lógica, e a escola se situa na confluência da lógica burocrática e da lógica profissional.

Existem organizações do trabalho mais abertas que outras à mudança? Como conseguem encontrar um meio termo entre a necessidade de abertura e a tendência natural dos atores em querer preservar equilíbrios estáveis? Há lógicas organizacionais que favorecem a mudança, não como resposta a uma situação excepcional, nem porque seriam mais permeáveis do que outras às injunções das autoridades, mas por integrarem-na sem crise e sem pressa?

Os novos paradigmas organizacionais convidam a ultrapassar o pensamento científico clássico. À visão de um universo como um mecanismo de relojoaria opõe-se àquela de um sistema vivo, instável e imprevisível, mais aberto e criador. Vistos sob esse ângulo, os processos de mudança correspondem, inversamente, a uma dinâmica instável, expressão de uma multiplicidade de forças em interação que ora convergem, ora se defrontam. Essa imagem está mais próxima da realidade do que os modelos clássicos. Este primeiro capítulo tenta descrever tal evolução, confrontará lógica burocrática e lógica profissional, apresentará os novos princípios organizadores.

A lógica burocrática constrói a organização do trabalho sobre uma regulamentação bastante estrita dos papéis e das funções a serem preenchidas. O organograma estabelece relações de autoridade e cadeias hierárquicas explícitas, os membros da organização sabem quem concebe e quem execu-a. A idéia do estabelecimento escolar como estrutura local-padrão, é uma resposta burocrática à questão da educação escolar; em um sistema unificado apenas variam o tamanho e, o modo de direção dos estabelecimentos. A lógica burocrática é interiorizada pelos atores, eles percebem seu papel e seu estatuto, sua zona de autonomia, a divisão do trabalho, as relações de poder, a gestão dos processos da mudança, os mecanismos de controle, os atores não imaginam poder funcionar de outro modo. Os conteúdos das lições são definidos, não de acordo com as necessidades dos alunos, mas em função de um número global de horas disponíveis. Tais parâmetros gestionários representam uma matriz organizacional que condiciona a vida escolar, reduz fortemente o desenvolvimento das competências correspondentes, que se incumbem da elaboração e da introdução dos novos programas. Esse modelo permitiu ajustar as modalidades de gestão e controle das escolas, asseguran do uma certa coerência e uma igualdade formal de tratamento. Ele somente provocará mudanças das práticas se a prescrição for traduzida de forma clara, for imposta de cima, for compatível com as práticas já em vigor, etc.

Enquanto a lógica burocrática define e impõe procedimentos de trabalho em vista dos objetivos fixados, a lógica profissional limita o trabalho prescrito em função da complexidade de situações singulares. A lógica profissional na escola permaneceu por muito tempo limitada ao relacionamento professores/alunos. Os professores inventam, menos
do que pensam, seus gestos profissionais, muito mais se apropriam da trama fornecida pela cultura profissional e pela organização escolar. O impacto de tais fatores é diferente segundo o grau escolar: na escola de ensino fundamental, os docentes desempenham um papel importante, ao passo que a partir do ensino médio a ideologia própria de cada disciplina dita as regras de funcionamento. A lógica profissional representa a via menos explícita e for-
malizada da mudança, é um lento processo de adaptação durante o qual as novas práticas se instauram conforme as necessidades. As novas políticas educacionais levam a uma ampliação da lógica profissional, quando os professores são convidados a participar mais em todo o processo de inovação.

Entretanto, há o risco de, através da maior autonomia, se reforçar o isolamento e o individualismo dos diversos atores envolvidos no processo de inovação. Uma lógica profissional não harmonizada com um bom nível técnico leva os atores a confiarem mais em suas experiências pessoais do que nas informações que derivam da pesquisa em educação. Alguns sistemas percebem os laços dos novos princípios da gestão pública e os integram em seu discurso oficial, nem por isso passando ao ato no plano das práticas. Em alguns sistemas, essa orientação torna-se progressivamente da ordem do possível. A organização profissional valoriza o funcionamento colegial e participativo, os processos de decisão são pesados, lentos e ineficientes só o que se busca é um amplo consenso. Daí o número limitado de decisões inovadoras. Em nome da colegiatura os atores estabelecem a lógica da confiança.

Priva-se então de um motor essencial da mudança: a análise lúcida dos funcionamentos, dos êxitos e fracassos de uns e de outros. A lógica profissional aplica-se para apagar as hierarquias. É mais agradável confessar que todos são pares, graças a esse igualitarismo, o clima de trabalho é mais agradável, mas é possível haver inovação na negação da heterogeneidade das competências e na recusa de reconhecer uma liderança? Uma organização dominada pela lógica profissional é tão conservadora quanto o conjunto de seus membros.

As duas lógicas estruturam o sistema escolar e as escolas. Elas influenciam tanto com a ordem quanto com a complexidade e garantem a estabilidade. Ao reunir as duas lógicas organizacionais, a escola dotou-se de um funcionamento irreversível que a encerra em um círculo vicioso difícil de romper.

Este círculo vicioso leva tanto as autoridades escolares quanto os diversos atores a uma estranha dança que só pode resultar no fechamento e no contra-senso.

É preciso, voltar-se para uma lógica mais flexível e adaptativa, capaz de ultrapassar o saber prático, tácito e artesanal de cada um, que é da ordem da consciência prática.

Atualmente, concebemos o excesso das lógicas organizacionais existentes como uma evolução incerta e local. Os atores devem inventar novas formas de organização sem poder referirem-se a um modelo claramente estabelecido. É preciso considerar estruturas flexíveis onde tudo se atenue e se adapte à evolução, cada um toma iniciativas que
permitem garantir a qualidade. Tanto a coordenação e a codificação estrita das atividades quanto o isolamento e o "consenso frouxo" deixam o campo livre a uma lógica de arranjo, que permite a realização de acordos locais não previstos. Existe, pois, uma relação entre a organização do trabalho e a mudança. Quanto mais a escola esteja submetida a injunções de inovação, menos ela poderá regulamentar sua atividade.

Os atores do sistema escolar tentam satisfazer duas necessidades: estabilidade e mudança. A mudança os levará a valorizar a flexibilidade e a negociação, não poderão, entretanto, renunciar a um mínimo de estabilidade. Todo sistema escolar à procura de estabilidade proporcionar-se á uma organização de trabalho que lhe permita limitar os riscos. Nossa experiência mostra que a mudança desenvolve-se nos espaços ainda não programados, a partir de novas combinações entre os diferentes recursos existentes, em um contexto que reconhe ce a divergência da maneira de pensar e fazer. Essas combinações organizam-se a partir da intuição, do engajamento e da "ousadia", dos atores do sistema escolar. A maneira pela qual eles construirão o - sentido da mudança – depende da flexibilidade organizacional que lhes permitirá ou impedirá de integrar os novos conceitos. Transposto ao sistema
escolar e à escola, isso leva a um modelo de organização do trabalho que fica menos burocrático e mais centrado nos funcionamentos informais. As regras de organização são definidas em função da natureza das questões a resolver, a destinação de tarefas é variável e modulável conforme a quantidade e a natureza dos problemas, a capacidade e a
vontade dos atores de mobilizarem-se para um projeto. Isso também significa que as escolas variarão no plano de seu nível de desempenho, enquanto se adaptarem a seu meio e explorarem novas vias para melhorar seu processo pedagógico.

Tais configurações são novas, algumas equipes de professores tentam, há anos, romper com a forma escolar tradicional, tais tentativas isoladas estiveram, na maioria das vezes, destinadas ao fracasso, pois permaneceram confinadas em um espaço muito limitado de flexibilidade para "irem ao fim de sua lógica". Por conseguinte, é lícito esperar que os estabelecimentos escolares que se voltam para esse tipo de nova configuração desenvolvam uma série de características que modifica favoravelmente a construção do sentido de mudança.

Quando as escolas funcionam de acordo com uma lógica flexível, os professores são levados a desenvolver uma série de competências que lhes permitem transformar a pedagogia. Em termos de organização do trabalho, significa que os professores se libertem das coações internas, que eles se concedem o direito de se organizarem de outro modo. Uma organização flexível introduz uma visão diferente da divisão do trabalho, as tarefas são analisadas e designadas de modo flexível, e não de acordo com regras e prerrogativas estabelecidas pela tradição.

A gestão por redes oferece um meio não apenas de assegurar a informação e o confronto entre os diversos grupos de atores, mas, de permitir-lhes uma compreensão sistêmica das dinâmicas implicadas; o sentido é construído por intermédio desta compreensão, ao sabor das controvérsias empreendidas e das experiências feitas por uns e outros.
Isso pode permitir que se veja mais longe e que se conscientize que, outros colegas, trabalhando em outras escolas, encontram problemas semelhantes, mas os percebem e resolvem de maneiras distintas, o que pode gerar novas idéias.

Nenhuma pessoa ou instituição é completamente autônoma, é importante, particularizar com muita clareza o terreno de autonomia buscado pelas escolas. Diante da grande diversidade das realidades e das necessidades do campo, a atitude predominante consiste em não mais investir energia para produzir uma aparência de homogeneidade, ao contrário, aceitar que possam existir modalidades organizacionais diferentes dentro de um qua dro comum aceito pelos parceiros. As escolas assumem a responsabilidade de desenvolver os dispositivos de ensino-aprendizagem apropriados em função das necessidades locais. Trata-se, da vontade explícita de uma flexibilização em favor de uma
maior liberdade de ação e decisão concedida aos indivíduos e/ou escolas. Alguns esperam que a descentralização leve os atores a resolverem os problemas com mais criatividade e responsabilidade, assim como a desenvolverem soluções menos caras. Imaginam que a diversidade de soluções introduzirá uma certa competição e, aumentará a busca de qualidade nas escolas. Outros temem que a competição acarrete conseqüências nefastas, em função de egoísmos e disputas de poder.

A escola é um lugar de exercício do poder, estruturado pelas estratégias de atores e seus jogos de poder. Dessas relações de poder depende, a autonomia da qual cada um dispõe. As relações de poder nunca se estabilizam, qualquer novo acontecimento pode ameaçar os equilíbrios estabelecidos.

A inovação é sempre suspeita de provocar uma ruptura nesta relação de poder pré-existente. Portanto a questão de saber quem se beneficia com a mu dança é sempre pertinente.

As relações sociais são arranjos que permitem viver em paz relativa com os outros, a mudança pode ameaçar esse arranjo, dividindo grupos, marginalizando professores, etc. A inovação modifica os dados do problema e os arranjos que permitam o modus vivendi, que deve às vezes ser reconstruído integralmente. É nesse sentido que os problemas produzidos devem levar os atores a se empenharem na busca constante de coerência, é uma questão de justiça e de justeza. A construção do sentido de mudança é fortemente influenciada por esse mecanismo.

Diante dos problemas de poder, de princípios de justiça e de território, a inovação leva os atores a empenharem-se na negociação e no regateio, a fim de construir novos acordos e convenções.

Autonomia parcial significa: projeto coletivo original, explícito e negociado entre os parceiros no âmbito de um conjunto de direitos e obrigações, relativamente ao Estado e suas leis. A autonomia das escolas deve ser concedida com um equilíbrio entre regulamentos centralizadores e iniciativas locais.

O sistema limita-se a prescrever os eixos de orientação e os regulamentos, e pede às escolas para explicarem como trabalham nos campos que acabam de ser evocados, se estabelece um sistema de acompanhamento e de avaliação externo que permite controlar a qualidade e a coerência da aplicação nos diversos estabelecimentos.

A autonomia parcial levará, professores e diretores de escolas, a afinarem os meios de autorregulação para alcançar os objetivos fixados, não só para eles mesmos como também para prestarem contas a seus parceiros externo.

Após a primeira fase de concepção e de elaboração do projeto, o exame da realidade obriga, a redimensionar as exigências de uns e outros, o que exigirá negociações para clarificarem as representações, e as novas responsabilidades que estas acarretam.

Uma gestão que conceda mais autonomia às escolas faz emergir um novo problema: como se vai, como se pode administrar a diversidade? Tais questões, tornam-se centrais quando a ação de projeto confronta os diversos parceiros com o indispensável controle de qualidade.

No contexto de uma organização do trabalho, a avaliação baseia-se na maneira como os atores obedecem às regras. Um dos grandes equívocos que espreitam as escolas consiste em crer que a autonomia concedida lhes permitirá fugir de toda obrigação de prestar contas, no entanto, mais autonomia implica também em mais responsabilidade e transparência. Para que o sistema escolar permaneça administrável ele é levado a estabelecer anteparos capazes de garantir a coerência da ação pedagógica, visando a: definir a qualidade dos serviços realizados; observar e avaliar os
processos e condições básicas que determinam esses serviços realizados; colocar o resultado desse processo de avaliação a serviço dos de senvolvimentos ulteriores.

A avaliação interna começa com um diagnóstico empreendido, pelos professores e a direção da escola, a forma mais simples consiste em conduzir uma análise do funcionamento do estabelecimento escolar, consegue-se assim recolher um conjunto de dados que permitirão compreender melhor como a escola reage em face da mudança, antecipar problemas, compilar as estratégias de resolução, definir prioridades e os critérios de êxito para avaliar a eficácia dos procedimentos, prestando contas de seu funcionamento, uma equipe de professores, se conscientiza de suas forças e fraquezas. Esse passo não é fácil. Exige uma capacidade de descentração e vontade de mudança que não prosperam por si. Eis porque a avaliação interna só é realizável quando é acompanhada pelo desenvolvimento de um clima de confiança dentro da escola sua construção deve preceder o estabelecimento de uma avaliação interna. A avaliação interna constitui uma condição básica da transparência e da avaliação externa.

Não se trata de distribuir boas ou más notas, nem de ceder à última moda, mas sim a construção de um sistema escolar que permita a reflexão permanente sobre a eficácia das práticas, este é o objetivo principal de uma avaliação externa.

O sistema educativo só confiará na autoavaliação dos professores, se a sua lucidez estiver acima de qualquer suspeita, tendo sido feita com total profissionalismo.

A mudança bem sucedida não é conseqüência da simples substituição de um modelo de gestão antigo por um novo. Trata-se sim do resultado de um processo de construção coletiva que tem sentido quando os atores se mobilizam, conseguem ultrapassar os jogos estratégicos e as relações de poder habituais para criarem e desenvolverem novos recursos e capacidades que permitirão ao sistema guiar-se ou tornar a se orientar como um conjunto humano e não como uma máquina.

A cooperação profissional A cooperação profissional não corresponde ao funcionamento da maior parte dos professores e dos estabelecimentos escolares, o individualismo permanece no âmago da identidade profissional.

Entretanto, na maioria das escolas, já se verificam mudanças. Na busca de dispositivos de ensino – aprendizagem, os professores trabalham mais em equipe, por outro lado a maioria dos sistemas educacionais aplica-se em reformas que incitam uma maior cooperação entre os professores.

O modo de cooperação profissional inscrito na cultura de um estabelecimento escolar influencia na maneira como os professores reagem em face de uma mudança. Os modos de cooperação profissional seguem algumas tendências mais ou menos comuns, a saber:
Individualismo – oferece aos professores uma esfera quase "privada" contra os julgamentos e as intervenções externas. O professor operando sozinho introduz mudanças eficazes em suas classes.

Balcanização: em algumas escolas os professores têm a tendência de associarem-se, mais, a determinados colegas criando grupos, cada grupo defende suas posições em detrimento das idéias de outros, o consenso é praticamente impossível.

Grande família: um modo dentro do qual os membros do corpo docente chegam a uma forma de coexistência pacífica, que garante o respeito e o reconhecimento do outro, conquanto que cada qual se submeta a um determinado conjunto de regras explícitas ou implícitas.

Colegiatura forçada: este modo de relacionamento ocorre onde a direção impõe procedimentos, cuja finalidade é levar os professores a concederem mais tempo e atenção à planificação e a execução de uma inovação, tende a provocar desconfiança e estratégias defensivas.

Cooperação profissional: pode ser conceituada como um certo número de atitudes que devem ser construídas a fim de criar: o hábito da ajuda e do apoio mútuo; um capital de confiança e franqueza mútuas; a participação de cada um nas decisões coletivas. Essas atitudes representam uma clara evolução em relação aos funcionamentos mais individualistas. Convém lembrar que a cooperação profissional só se torna possível pela vontade obs tinada de voltar o essencial do processo para a per seguição de um objetivo comum que vise à ampliação das competências individuais e coletivas que garantam o bom resultado dos alunos.

A relação com a mudança na cultura do estabelecimento escolar

Cada escola tem sua própria atmosfera, como reflexo de cultura, exerce uma forte influência sobre aqueles que ali trabalham. A cultura de uma escola é construída pelos atores, mesmo que essa construção permaneça, em grande parte, inconsciente. Ela é a soma das soluções que funcionaram bem para acabarem prosperando e serem transmitidas aos recém chegados. A mudança é uma categoria básica do pensamento, até os professores mais conservadores formam projetos de mudança. A maneira como cada um pensa a mudança, funda-se em uma história pessoal e na integração a diversos grupamentos sociais, a cultura inerente a cada escola contribui também para influenciar cada um, ela é um código comum, que permite ficar no mesmo comprimento de onda quando sobrevem uma reforma.

De acordo com a situação do estabelecimento escolar e de suas culturas, pode-se prever que algumas reformas estariam destinadas ao fracasso antes mesmo de terem começado, a cultura local determinará as necessidades sentidas, a maneira como os professores irão julgar o valor da mudança, interagir, tentar e confrontar suas experiências. A cultura não tem chefe, mas os dirigentes e os professores que exercem liderança podem modificá-la progressivamente. Frente a uma inovação prescrita pelo sistema, a cultura da escola sugere prioridades que influenciam a interpretação do programa.

Quanto à eficácia, é objeto de diferentes percepções, uma vez que, nem todos têm a mesma idéia do que torna a escola eficaz.

A evolução da cultura depende da maneira como o corpo docente consegue manter uma reflexão e comunicação em torno dos problemas profissionais. Cria-se uma dinâmica pela qual os atores conciliam seus objetivos, negociando em
relação aos objetivos visados, construindo o sentido da mudança.

Um estabelecimento escolar em projeto

As escolas que produzem efeitos notáveis sobre as aprendizagens dos alunos se apóiam nas mudanças que o sistema educativo introduz, aproveitam-se das reformas do sistema educativo, a não ser que as orientações de fora estejam em forte contradição com sua cultura. Tal atitude supõe que as escolas desenvolvam as competências e posturas necessárias para definirem seus objetivos e construírem um projeto comum. A existência de um projeto local poderia, constituir um fator favorável às reformas de conjunto, substituídas pelo projeto de estabelecimento escolar, aumentando a oportunidade de uma aplicação das reformas. Essa visão da mudança dos sistemas escolares oferece uma perspectiva dinâmica. Nessa perspectiva, o desenvolvimento escolar é percebido como um processo que permite às escolas assimilarem as mudanças exteriores a seus próprios objetivos.

Nos interrogaremos, aqui, mais sobre o estabelecimento escolar em projeto, do que sobre o "projeto de estabelecimento escolar" desenvolvido por administrações centrais que de tanto normatizarem a ação de projeto correm o risco de esvaziá-la de seu sentido.

A realidade da escola é feita de urgências, e muitas decisões são tomadas na incerteza. Diante de tal realidade, uma parte dos atores investe em um processo de projeto para lutar contra a desmotivação e a avareza mental, fixando-se metas coletivas. Muitos sistemas escolares incentivam os estabelecimentos a colocarem o seu projeto por escrito, os estabelecimentos vêem-se, assim, levados a explicitar o que, habitualmente, permanece implícito. Mas, afinal, o que é exatamente um processo de projeto? O projeto é a imagem de uma situação, de um estado pensado que se tem a intenção de alcançar. Nas sociedades modernas, a idéia de projeto tornou-se inseparável de nossa visão da ação e do sentido da ação seja ela individual ou coletiva.

As novas modalidades de gestão transformam necessidade em virtude; já que não se pode impedir os indivíduos e os grupos de terem uma identidade, um projeto e estratégias é melhor reconhecê-lo e integrar, transformando-o em vantagem gestionária, propiciando maior controle. Essa abordagem constitui os membros de um mesmo estabelecimento escolar como ator coletivo, o que os obriga a se colocarem em busca de um projeto comum. Quem pensa são indivíduos que converterão o processo de projeto em ilusão ou ferramenta para a ação. Sobre essa base, parece-nos possível apostar no processo de projeto na escala dos estabelecimentos escolares, visto que ele contribui para a construção cooperativa da mudança.

projeto educativo corresponde ao projeto visada simbólica, como orientação global. Se ele existe e os professores a ele aderem, embasa o projeto de estabelecimento.

projeto de estabelecimento escolar esta mais próximo de um programa de ação que envolve o ator coletivo, constituído pelos professores que trabalham naquele estabelecimento escolar e que, se tornou pessoa moral. É importante que a maioria dos professores associe-se a um projeto de estabelecimento escolar para que ele seja digno desse nome.

A preocupação de clarificar o projeto educativo comum leva uma comunidade pedagógica a indagar-se sobre sua identidade. Isso leva a enunciar valores que vão inspirar a ação.

Um projeto educativo ao qual os professores aderem convocará, uma mudança organizada que chamaremos aqui deprojeto de estabelecimento escolar como programa de ação, cujas componentes definiremos do seguinte modo: uma fixação na história da organização e seu meio; um objetivo ambicioso a médio e longo prazo; um código de valores; cenários para realizar o objetivo principal; um plano a médio prazo e um plano de ação; dimensões econômicas, sociais, culturais e pedagógicas; uma intenção de comunicar-se e de avaliar; uma vontade explícita de capitalizar e teorizar a experiência.

Um projeto de estabelecimento pode fixar-se em um projeto educativo explícito ou implícito. A ação inovadora corre o risco de esvaziarse de seu sentido se o projeto não se transformar em um processo. O processo de projeto não é um fim em si, mas, um dos componentes do estabelecimento escolar que contribui para tornar os professores atores da construção do sentido da mudança.

O projeto de estabelecimento escolar é levado a funcionar com três dimensões: capacidade individual e coletiva de se projetar (lançar) em um futuro incerto, indentidade dos signatários do projeto representação coletiva, já que se trata de um processo de exploração cooperativa. Quando o projeto de estabelecimento escolar leva em conta essas três dimensões, ele passa a ser uma ferramenta de mudança, de aprendizagem organizacional.

Evocamos várias vezes a importância decisiva da coerência interna entre valores e ações, quando é o caso, é visível, para os alunos, que seus professores perseguem os mesmos objetivos e os acompanham em um percurso de aprendizagem cuja meta é partilhada por todos. Não se deve confundir projeto com plano de ação, um projeto deve evitar a definição de um plano de estudos demasiado estreito e rígido, deve permitir ajustes tanto nas estruturas quanto nas práticas. O importante é que subsista um quadro estável, que protegerá da dispersão e de um ativismo extenuante, mais ainda, não seja utilizado por alguns para fins de tomada de poder. O essencial consiste em estabelecer alguns princípios organizadores do pensamento e da ação. Um projeto de estabelecimento escolar terá maiores chances de êxito quando os objetivos visados forem realistas. Para que um projeto possa fazer a diferença, é necessário que ele se inscreva na "zona de desenvolvimento proximal" dos atores e seja capaz de penetrar em seus campos de consciência, é indispensável determinar tal "zona" a fim de saber a quais desafios é possível se exporem, para chegarem a transformações da identidade coletiva que permitam a utilização dos novos saberes de forma duradoura.

Os projetos garantem um desenvolvimento das competências profissionais que baste para produzir efeitos duráveis? Os projetos estão fundados em uma avaliação suficientemente sutil da pertinência das práticas em curso e garantem um acréscimo de valor?

Se essas possibilidades forem mal avaliadas é provável que o aluno não obtenha o beneficio esperado da situação com que se acha confrontado. Para que a situação seja portadora de sentido, a mudança prevista deve estar próxima de suas preocupações, oferecendo, uma impressão de ruptura com as rotinas.

Entre investimentos a longo prazo, e resultados imediatos, a ação educativa muitas vezes hesita. A lógica "asseguradora" pode assim, parecer a única em condições de criar a calma para encarar ações inovadoras.

A multiplicação dos projetos de estabelecimento escolar fez evoluir a maneira de trabalhar em conjunto. Ao projeto como forma social, associam-se diversas práticas, reconhecidas como características. Não é pequeno o risco de ver a adoção dessas práticas fazer as vezes de projeto de estabelecimento escolar. É importante associar os processos de projeto a uma avaliação interna que verifique a coerência entre os objetivos visados e as ações empreendidas.

Estando a cultura de cooperação e a do projeto desabrochando, grande parte dos projetos nasce na mente de algumas pessoas conquistadas pela idéia, é verdadeiro para os projetos "espontâneos" e também para os projetos "solicitados" pelas autoridades escolares. Em ambos os casos, a questão é saber como passar da iniciativa de alguns a um consenso tão amplo quanto possível sobre o principio, o conteúdo, e as orientações de um projeto de estabelecimento escolar. Durante o período em que a maioria vai aderindo a um "projeto de projeto", manifestam-se oposições, agravos, tomadas de poder, alianças e clivagens sem grande relação com o conteúdo. Procurar obter a adesão entusiasta de 99% dos professores da escola condenaria, qualquer projeto a ser rapidamente abandonado, em geral dá-se a partida com uma minoria ativa. Quais os fatores que determinam a adesão?

A adesão só ocorrerá se os interlocutores pu derem entrever a manutenção de suas experiências ou a abertura de demais caminhos de acesso a vantagens simbólicas ou materiais é durante esta delicada passagem, da concepção por uma minoria à adesão coletiva, que se executa uma das etapas decisivas do projeto. Administrar essa etapa com
atenção garante uma saída melhor para o projeto, baseada em confiança relativa, garantindo sua razão de ser, tanto no presente quanto na continuidade. A mobilização geral da maioria, o consenso na análise prévia das necessidades e a identificação coletiva dão lugar às divergências e à dispersão das forças nos momentos difíceis e precipitam os atores em uma fase de turbulências que pode representar um simples vazio do processo de implementação. Numerosas equipes desistem diante da ausência de efeitos a curto ou médio prazo, ou mesmo diante da resistência dos principais interessados: os alunos. Mesmo um projeto de estabelecimento escolar que obtenha a concordância e o apoio de grande maioria dos parceiros não tem garantia de sua longevidade. Um projeto de longa duração nunca será totalmente aplicado por aqueles que o elaboraram. É necessário concebe-lo de maneira que seja possível fazê-lo durar, e utilizá-lo como instrumento de integração de recém chegados. o projeto como explicação de uma identidade coletiva não significa fechamento sobre si mesmo, mas sim, abertura para o futuro e para fora.

Liderança e modos de exercício do poder

Os processos de mudança não se desenvolvem por si mesmos. Necessitam de uma orquestração ativa, a mudança choca-se com ações igualmente deliberadas para bloqueá-las. As influências não provêm unicamente daqueles que detêm uma autoridade formal.

As noções de líder e de liderança referem-se mais a uma influência real sobre o curso das coisas do que ao estatuto dos que a exercem. Qualquer membro de uma comunidade exerce, de vez em quando, alguma influência. Alguns com mais frequência do que outros, o que caracterizará uma liderança se esta se mostrar regularmente sobre as decisões de um grupo. A noção de liderança como influência regular define o líder, como "aquele que exerce uma liderança em um determinado contexto".

Os estabelecimentos escolares que se engajam em um processo de mudança deverão construir uma nova visão da gestão das relações de força e, se possível, substituir a liderança autoritária por uma liderança cooperativa. A idéia de liderança cooperativa designa uma liderança assumida de modo cooperativo por um conjunto de atores, nenhum dos quais é líder formal ou informal o tempo todo, mas está abertamente voltado para a ação comum. A liderança cooperativa rompe com a organização clássica do trabalho dentro de um estabelecimento escolar, os membros do grupo achamse investidos de tarefas ou de funções que eles assumem sem monopolizá-las duradouramente. A liderança cooperativa não reconhece hierarquias estáveis nem líder permanente. A liderança é entendida como uma força de transformação cultural e de desenvolvimento. Ela não suprime a função de diretor de escola, mas redefine, o papel consistiria em tornar-se aquele que faz as competências emergirem, facilita a concepção e a aplicação de novas
modalidades organizacionais, ele orquestra a ação coletiva para que esta possa tender para a transformação das práticas.

A liderança cooperativa produz para cada pessoa uma sobrecarga de trabalho, daí a necessidade de estabelecer uma instância de coordenação responsável por: acompanhar os esforços de colocação em prática; informar todas as partes envolvidas sobre o processo em curso; aproximar e ligar os diferentes grupos de trabalho; organizar e animar as sessões; instituir instâncias de conversa; criar lugares de decisão e de regulação. O papel dos líderes leva-os a verificar constantemente se os diferentes membros do grupo conseguem aderir aos objetivos visados, se estão convencidos de que as apostas valem a pena e pensam que eles têm mais a ganhar do que a perder.

O estabelecimento escolar como organização aprendente

Um estabelecimento escolar pode ou não favorecer a mudança. É sua capacidade de adquirir experiência que o torna uma organização aprendente; adota uma abordagem mais positiva e profissionalizante, centrada na obrigação de competências, visando à evolução tanto das representações da profissão quanto das práticas pedagógicas e à transformação da dinâmica do estabelecimento escolar, em uma coesão essencialmente pedagógica, constituindo este último em organização aprendente.

O estabelecimento escolar é definido como um grupo de professores que assumem a responsabilidade de desenvolver os dispositivos de ensinoaprendizagem mais eficazes.

No desenvolvimento organizacional, os projetos de formação comum se limitam a alguns seminários durante os quais os professores têm a ilusão de construir uma cultura comum em relação a um tema que lhes parece central, eles imaginam que realmente conseguirão modificar suas práticas, enquanto observadores externos notam apenas mu-
danças insignificantes.

Já, o desenvolvimento profissional ressalta as necessidades e apostas das pessoas que coexistem e cooperam dentro de um estabelecimento escolar, esboçando e realizando um projeto coletivo.

Tal interpretação da formação contínua coloca os atores do estabelecimento escolar no centro do processo de desenvolvimento e o liga à mudança.

De acordo com esse modelo, os professores são percebidos como membros de uma organização social, co-responsáveis por seu desenvolvimento ulterior. Visto que são responsáveis de seu desenvolvimento profissional, os atores transformam suas necessidades, formulando projetos coletivos e investindo-se em sua aplicação.

Para aumentar a eficácia da ação organizada dentro de uma instituição, é necessário compreender sua cultura, é indispensável que os atores meçam a dinâmica e a complexidade do funcionamento coletivo para depois decidirem e colocarem em prática novos funcionamentos.

A ação organizada não é redutível às aprendizagens individuais, trata-se de um sistema de aprendizagens coordenadas, sendo suficiente para fazer funcionar o conjunto, porque é de sua capacidade de transformar-se em organização aprendente que depende o resultado de uma maior eficácia da ação coletiva.

Conclusão

O estabelecimento escolar é um nível determinante do destino reservado aos projetos de mudança, porque é ali que os professores trabalham e constroem o sentido de suas práticas profissionais, bem como as transformações que lhes são propostas, venham elas de dentro ou de fora.

Seu resultado será coerente relativamente à cultura e às relações sociais instituídas, nas quais as conversações se estabelecerão em torno desse novo objeto, a partir das tentativas e das reposições em discussão que uns e outros devam ou queiram permitir.

Na verdade a mudança leva tempo e só se realiza por etapas, conforme as quais os profissionais criam vínculos entre seus saberes de experiência e as novas idéias. O processo de mudança é, pois, um assunto de evolução conjunta dos valores, crenças, conceitos e práticas.

Ao começar este trabalho, já estávamos convencidos de que o sentido da mudança não é imposto, não é dado de antemão nem é imutável. A mudança é construída na regulação interativa entre atores.

Se a hipótese construtivista é válida não apenas para os indivíduos, mas para as coletividades, como conseguir comprometê-las em um processo de construção coletiva de longa duração?

Numerosos fóruns, publicações e debates são dedicados a essa problemática. Apesar dos debates, parece-nos que, nos encontramos atualmente, bem no início de um longo processo de "profissionalização" das práticas de inovação, seja na escala do sistema, do estabelecimento escolar ou da classe. Tal processo levará todos os atores a conduzirem a escola na aventura de uma "organização aprendente".Nessa aventura, o estabelecimento escolar pode e deve representar um nó estratégico.

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