07/11/2011

Coração de sertanejo

O forte cheiro de capim gordura, o frufru das revoadas vespertinas dos pássaros em busca de um lugar para repouso, o último brilho do sol, invade este ambiente bucólico com as tribos rubras da tarde. Bem distante visível apenas uma silhueta, está um caboclo dando as suas últimas enxadadas limpando as ervas dadinhas da plantação de arroz, ergue as mãos e retira o chapéu, dando um gostosa coçada na cabeça, olha para os raios do Sol que já se foram. Apanha no bolso roto de sua camisa um restinho de cigarro de palha, tira do bolso sua “binga” e acende o cigarro de palha tirando uma baforada, espantando os mosquitos borrachudos que teimavam rodear sua vasta cabeleira.


Nesta serra conhecida como “Serra do rola moça” vive este sertanejo, dedicando todos os dias no trabalho da terra para retirar seu sustento. Vivem com ele seus pais. Sua mãe todos os dias prepara sua marmitinha de alimentos. Seu pai devido a idade permanece em casa.

Ao vê-lo chegar próximo de casa com sua enxada nos ombros sua mamãe corre ao encontro dando-lhe um maravilhoso beijo em suas faces poentas e disse:

-José, tudo bem? Como foi seu dia? Não teve nenhum problema com cobras? – Era assim com essas perguntas e outras que dona Maria Terra conversava com seu filho querido. O pai um pouco mais macambúzio, devido suas doenças apenas dizia um “Deus te abençoes filho”. Eram felizes apesar da distância e dos barulhos das cidades grandes. Uns dois quilômetros dali vivia num sítio vizinho, sua namoradinha que era o motivo de sua vida, a Tereza. Moça linda com sua tez bronzeada devido os raios do Sol, cabelos negros comprido escorriam pelos ombros.

José amava profundamente Tereza e sempre tinha seus sonhos em ter uma boa colheita e tirar sua amada deste antro de abandono.

Cada vez que seu rádio de ondas curtas anunciava a “voz do Brasil” às dezenove horas, com a famosa música do guarani, José colado os ouvidos no rádio ouvia embevecido as notícias de Brasília e as principais cidades como Rio e de São Paulo. José tinha um sonho: - Ainda vou morar no Sul, ganhar muito dinheiro e voltar para casar com Tereza. Partia o coração de sua velha mamãe, filho único ele era o arrimo da casa. Porém como diziam os antigos: - Criamos filhos e eles criam asas e desaparecem de nossos olhos. Nos programas sertanejos da rádio nacional José ouvia muitas músicas sobre pessoas que foram para o sul em busca de uma vida melhor.

Numa fazendinha poucos quilômetros dali, havia muitos bailinhos com sanfoneiros da região, muitas vezes bois eram abatidos, e churrasquinhos eram servidos aos vizinhos. José e sua amada iam sempre e dançavam felizes da vida, beijos eram trocados, promessas eram feitas, juras de amor não faltavam para estes jovens.

-- Tereza, você me ama? Dizia apaixonadamente com seu rosto colado ao da Tereza, seu calor a incendiava, com seu rosto colado ao dele dizia:

-Claro José! Meu sonho e é ser sua esposa e juntos cuidarmos de seus pais, e manter nossa rocinha, criar galinhas, porcos, vacas, te farei muito feliz.

José vivia nesse conflito, entre o amor e a busca de seu sonho no sul.

Aproxima o final de ano e José toma uma decisão: Vou viajar para o Sul em busca de uma vida melhor e voltar para buscar Tereza. Avisa sua namorada, que partiria no próximo Domingo, e umas nuvens escuras pairam sobre seus velhos pais que choram amargamente já prevendo perder seu filho para a cidade grande.

No Domingo, numa tarde ensolarada, ao seu lado estão suas poucas roupas dentro de uma mala de couro. Tereza estava ao seu lado chorosa, com suas faces coradas. Ele feliz, impassível, mas feliz porque ia em busca de seu sonho. Num beijo apaixonado despede de seu amor e embarca no ônibus que o levaria ao sul de onde ele dizia que voltaria logo para casar com seu amor. Nos céus um bando de patos passam em grande alvoroço, um bem te vi solta um canto, um casal de João de Barros traz seus cantos. José dentro do ônibus dava um adeus a sua amada.

Num forte barulho de motor traz a realidade o José, estava deixando a Tereza, que sonhava que seria sua. O ônibus sai, e em cada parada, um forte suspiro saia da boca de José, a saudade já começava a apertar. Como machuca a saudade, se estamos juntos com a pessoa amada, às vezes poucas coisas é motivo para brigas, mas se estamos nos separando, queremos com urgência voltar ao lado da pessoa querida. O homem não foi feito para ficar só, precisa de alguém para sentir seguro, parece uma criancinha que sente falta de sua mamãe querida, de sua caminha, das cantigas de ninar. Mesmo já adulto encontramos no amor a figura da mulher que traz um conforto além de seus beijos e afagos.

Em uma curvinha, lança o olhar perdido em direção à sua cidadezinha que fica para traz, sua amada também passou a ser apenas uma vago pensamento. Após três dias de longa viagem, sente um cheiro estranho, do rio mais poluído da cidade de São Paulo, sente uma friozinho da grande cidade, edifícios tomam sua visão, já estava chegando no “Sul” como sempre dizia!

Desce no terminal Tietê, meio tonto ainda da viagem, tudo era estranho, cheiro, edifícios que suntuosamente estava em seu caminho, agitação dos ambulantes a anunciar seus produtos, cheiro forte de carne assada dos churrasquinhos, forte cheiro de urina dos mendigos que infestam as pracinhas. José não se preocupa com isso e com seu olhar devora a cidade sem perder nenhum detalhe.

Procura algum amigo para dar algumas informações. Que amigo? Todos eram estranhos! Bem diferente de seu velho sertão onde todos eram queridos e tratados com dignidade, todos tinhas seus nomes, todos eram conhecidos.

Um terror toma conta dele, não conhece ninguém, não tem amigos, é mais um que foi lançado nos antros desta velha metrópole, mais um que se não lutar irá moram debaixo dos viadutos, mais um que irá infectar as praças com cheiro forte de urina e fezes. José para e pensa:

- Aqui tem um filho do sertão! Sou bravo sou forte, sou filho do norte!

Avista um “ser humano” de cócoras na calçada e em seu jeito simples pede um favor:

- Moço me ajuda, preciso de um emprego. O moço olha com um olhar de desprezo e aponta para uma placas de uma construtora que pedia servente de pedreiro. Pela primeira vez na vida, sente ser um ninguém, uma escória da sociedade. Pessoas da cidade não conhecem nem um pé de arroz, não dão valor ao homem do sertão que com suas mãos calejadas, puxando o cabo do guatambu limpam os arrozais, colhem e mandam para as grandes cidades para matar a fome das pessoas. Frutas que encontramos por aqui com fartura, no Ceasa, muitas são desperdiçadas jogadas fora, na roça elas são tratadas com carinhos. Pessoas da cidade dão pouco valor às frutas e todos os alimentos.

Ao pedir um emprego encontra seus primeiros problemas, precisa tirar a “carteira de trabalho” e tirar a chapa dos pulmões. Com sua barriga a roncar parte em busca dos documentos. Seu local de dormir era junto com várias pessoas como ele. Cada um precisava lutar por si só. Esta força de vontade José tinha! Ah se tinha! Era bravo era forte era filho do norte este grande sertanejo.

A vida no canteiro de obra não era fácil! Aliás, onde que a vida é fácil? Conseguiu emprego de servente de pedreiro, uma salário bem irrisório, mas já era um começo. Dormia em colchonetes junto com mais pessoas como ele, ao lado do canteiro podia-se ouvir da vida da cidade e uma cantiga de crianças vinha ao seus ouvidos. : “ Ciranda cirandinha vamos todos cirandar..” havia várias famílias que moravam perto da obra e as crianças ao lado do tapume cantavam suas músicas.” Sete, sete são quatorze três vezes sete vinte e um..”



Trabalha todos os dias inclusive feriados, não tem tempo para passear, chega ao dormitório tarde e sem forças para sair e passear. Descobre um curso por correspondência conhecido por “Madureza” Escreve, faz sua matrícula e começa o curso ginasial, sempre desejoso de prosseguir os estudos e ganhar uma nova profissão! “Escravos de Jó jogavam, cachangá, tira põe...” As cantigas vinham até a noitinha. Crianças que em brinquedo de roda passavam estes momentos infantis felizes.

Ao término do curso de madureza, é orientado pelos seus chefes que havia universidade que davam a tal da bolsa de estudos. Estuda com afinco e se prepara para o vestibular, desejava cursar engenharia. Manda suas cartinhas para a Tereza dando as boas novas. As respostas de sua amada começam a ser escassas.

A vida começa a melhorar, consegue o tão sonhado curso de engenharia, forma-se e abandona seu emprego e consegue alguns trabalhadores e se torna empreiteiro construindo casas e fazendo reformas.

É feliz, ganha muito dinheiro, mas um vazio ainda permanece em si, sente saudades da pessoa amada da sua Tereza. Manda várias cartas e sem resposta. Resolve viajar de volta ao seu lar no sertão.

Prepara de surpresa sua viagem. Antes de chegar à rodoviária, passa perto de um grupo de crianças, e tinha certeza que elas cantavam uma música que falava de uma tal de Terezinha. Não entendeu muito bem a melodia e a letra.



Ao findar sua longa viagem, chegando próximo da casa de sua amada, avista de longe e tem uma triste surpresa:

“Tereza é de Jesus”

Somente agora recorda as cantigas das crianças quando chegava próximo da rodoviária. “Terezinha de Jesus, deu uma queda foi ao chão, acudiram três cavaleiros, todos os três chapéus nas mãos..” A cantiga trouxe uma triste verdade ao coração do José o Sertanejo.



Agradecimentos:

Agradeço ao Professor Ananias de Albuquerque, pelo seu poema: O Sertanejo, através dele pude fazer este conto com algumas adaptações, sem, contudo deixar de seguir sua originalidade.






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