16/09/2011

ANÁLISE DO POEMA "RETRATO", DE CECÍLIA MEIRELES



Cecília Meireles (1901-1964)

"O Olho é um teatro por dentro.
E às vezes, sejam atores, sejam cenas,
e as vezes, sejam imagens, sejam ausências,
formam, no Olho, lágrimas".


RETRATO

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.


Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.


Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— em que espelho ficou perdida
a minha face?


Cecília Meireles


Certamente você compreendeu o tema desse texto: o eu lírico faz um retrato de si próprio, constatando as mudanças, as transformações psicológicas e físicas pelas quais foi passando ao longo da vida.
Esse poema se estrutura numa comparação entre como a pessoa era no passado e como ela é no presente. Para isso, o eu-poético utiliza-se de alguns termos para caracterizar as partes do corpo desse eu que está sendo desenhado ao leitor, como:


Rosto: calmo, triste e magro
Mãos: paradas, frias e mortas
Olhos: vazios
Lábio: amargo
Mudança: simples, certa e fácil.


As palavras em destaque (calmo, triste, magro, vazios, amargo, paradas, frias, mortas, simples, certa e fácil) são nomeadas por adjetivos e servem para expressar características, qualidades (ou defeitos) e estados dos seres.
Cecília Meireles tem como temas mais constantes em suas obras: a precariedade da existência humana e da vida, a fugacidade dos bens materiais e do tempo, a falta de sentido da vida, a solidão a que o indivíduo está condenado, a vida como sonho, a distância, a perda, a falta. Seu tom melancólico é sereno, jamais toca o desespero.
Sua poesia parece ansiar por atingir um mundo atemporal e imaterial, em que a relatividade não existe e tudo é absoluto; daí o desprezo pela matéria como algo que impede a perfeição e a ascese espiritual, ou seja, a plenitude da alma.
E, são alguns desses temas que encontramos no poema “Retrato”, o qual o eu-poemático faz um retrato de si mesmo, mostrando o antes e o depois do passar do tempo. Assim, ele mostra a fugacidade do tempo e da vida, e como menciona é uma mudança “tão simples, tão certa, tão fácil...”, na verdade, tão rápida, que quando abrimos os olhos percebemos que não somos mais crianças, adolescente, jovens, adultos, idosos, não existimos mais. Tudo isso é retratado em tom melancólico, mas, como já mencionamos, um melancólico que não atinge o desespero.
A linguagem poética de Cecília tem fortes elementos simbolistas, o que torna a renovadora dessa tradição no Brasil, com traços estilísticos que têm sido chamados de pós-simbolistas.

Cecília Meireles, por ter seguido um caminho muito pessoal, não pode ser enquadrada em um movimento ou uma estética determinados. Seus versos geralmente curtos, de conteúdo lírico tradicional e bastante pessoais, têm raízes simbolistas e caracterizam-se pela musicalidade, descritivismo e imagens sensoriais.

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