25/09/2022

Não deixe o tempo passar - Selma Soares Albuquerque

Quando encontrar alguém e esse alguém fizer 

seu coração parar de funcionar por alguns segundos, 

preste atenção: pode ser a pessoa 

mais importante da sua vida. 

 

Se os olhares se cruzarem e, neste momento, 

houver o mesmo brilho intenso entre eles, 

fique alerta: pode ser a pessoa que você está 

esperando desde o dia em que nasceu. 

 

Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo 

for apaixonante, e os olhos se encherem 

d'água neste momento, perceba: 

existe algo mágico entre vocês. 

 

Se o 1º e o último pensamento do seu dia 

for essa pessoa, se a vontade de ficar 

juntos chegar a apertar o coração, agradeça: 

Algo do céu te mandou 

um presente divino: o amor. 

 

Se um dia tiverem que pedir perdão um 

ao outro por algum motivo e, em troca, 

receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos 

e os gestos valerem mais que mil palavras, 

entregue-se: vocês foram feitos um pro outro. 

 

Se por algum motivo você estiver triste, 

se a vida te deu uma rasteira e a outra pessoa 

sofrer o seu sofrimento, chorar as suas 

lágrimas e enxugá-las com ternura, que 

coisa maravilhosa: você poderá contar 

com ela em qualquer momento de sua vida. 

 

Se você conseguir, em pensamento, sentir 

o cheiro da pessoa como 

se ela estivesse ali do seu lado... 

 

Se você achar a pessoa maravilhosamente linda, 

mesmo ela estando de pijamas velhos, 

chinelos de dedo e cabelos emaranhados... 

 

Se você não consegue trabalhar direito o dia todo, 

ansioso pelo encontro que está marcado para a noite... 

 

Se você não consegue imaginar, de maneira 

nenhuma, um futuro sem a pessoa ao seu lado... 

 

Se você tiver a certeza que vai ver a outra 

envelhecendo e, mesmo assim, tiver a convicção 

que vai continuar sendo louco por ela... 

 

Se você preferir fechar os olhos, antes de ver 

a outra partindo: é o amor que chegou na sua vida. 

 

Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes 

na vida poucas amam ou encontram um amor verdadeiro. 

 

Às vezes encontram e, por não prestarem atenção 

nesses sinais, deixam o amor passar, 

sem deixá-lo acontecer verdadeiramente. 

 

É o livre-arbítrio. Por isso, preste atenção nos sinais. 

Não deixe que as loucuras do dia a dia o deixem 

cego para a melhor coisa da vida: o amor! 

Selma Soares Albuquerque 

 


TUDO QUE VICIA COMEÇA COM C

De LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO 

 "Tudo que vicia começa com C. Por alguma razão que ainda desconheço, minha mente foi tomada por uma ideia um tanto sinistra: vícios. Refleti sobre todos os vícios que corrompem a humanidade.  

Pensei, pensei e, de repente, um insight: tudo que vicia começa com a letra C! De drogas leves a pesadas, bebidas, comidas ou diversões, percebi que todo vício curiosamente iniciava com . Inicialmente, lembrei do cigarro que causa mais dependência que muita droga pesada. Cigarro vicia e começa com a letra c.  

Depois, lembrei das drogas pesadas: cocaína, crack e maconha. Vale lembrar que maconha é apenas o apelido da cannabis sativa que também começa com cê.  

Entre as bebidas super populares há a cachaça, a cerveja e o café. Os gaúchos até abrem mão do vício matinal do café mas não deixam de tomar seu chimarrão que também - adivinha - começa com a letra C.  

Refletindo sobre este padrão, cheguei à resposta da questão que por anos atormentou minha vida: por que a Coca-Cola vicia e a Pepsi não? Tendo fórmulas e sabores praticamente idênticos, deveria haver alguma explicação para este fenômeno. Naquele dia, meu insight finalmente revelara a resposta. É que a Coca tem dois cês no nome enquanto a Pepsi não tem nenhum. Impressionante, hein?  

E o computador e o chocolate? Estes dispensam comentários. Os vícios alimentares conhecemos aos montes, principalmente daqueles alimentos carregados com sal e açúcar.  

Sal é cloreto de sódio. E o açúcar que vicia é aquele extraído da cana. Algumas músicas também causam dependência.  

Recentemente, testemunhei a popularização de uma droga musical chamada "créeeeeeu". Ficou todo o mundo viciadinho, principalmente quando o ritmo atingia a velocidade... cinco.  

Nesta altura, você pode estar pensando: sexo vicia e não começa com a letra C. Pois você está redondamente enganado. Sexo não tem esta qualidade porque denota simplesmente a conformação orgânica que permite distinguir o homem da mulher. O que vicia é o "ato sexual", e este é denominado coito.  

Pois é. Coincidências ou não, tudo que vicia começa com . Mas atenção: nem tudo que começa com vicia.  

Se fosse assim, estaríamos salvos pois a humanidade seria viciada em Cultura..." 

 


04/08/2022

Tio Galileu – Conto de Dalton Trevisan

 

Tio Galileu – Conto de Dalton Trevisan

By  | 19/10/2015

A pobre mãe deu Betinho àquele homem: agradasse ao tio Galileu, com os dias contados, podia ser o herdeiro.

Depois de partir lenha, puxar água do poço, limpar o poleiro do papagaio, o menino enxugava a louça para a cozinheira. Toda noite, Betinho subia a escada, para levar o urinol e tomar a bênção ao tio Galileu. Batia na porta: Entre, meu filho, O rapaz beijava a mão — branca, mole e úmida mãe-d’água. No domingo recebia a menor moeda, que o padrinho catava entre os nós do lenço xadrez.

Tio Galileu raramente saía e, ao tirar o paletó, exibia duas rodelas de suor na camisa. Arrastava o pé, bufando, sempre a mão no peito. Afagava o papagaio, que sacudia o pescoço e eriçava a penugem: Piolhinho… piolhinho… Subindo a escada, dedos crispados no corrimão, isolava-se no quarto. O assobio através da porta: alegria de contar o dinheiro?

Fechava a porta e conduzia a chave. Diante dele era feita a limpeza, pelo rapaz ou pela negra, nunca por Mercedes. Sentado na cama, coçando eterno pozinho na perna, vigiava. E não assobiava com alguém no quarto. Instalado na cama que, essa, ele mesmo arrumava, sem permitir que virassem o colchão de palha.

Mercedes fazia compras, perfumada e de sombrinha azul. O homem discutia com ela, que o arruinava, por sua culpa sofria de angina.

Domingo, a negra de folga, Betinho preparava o.café para Mercedes. Abria a porta, esperava acomodar-se à penumbra do quarto e, ao pousar a bandeja, sentia entre os lençóis a fragrância de maçã madura guardada na gaveta.

Uma noite Mercedes surgiu no quarto de Betinho. Já deitado, luz apagada. Sentou-se ao pé da cama, casara com tio Galileu por ser velho, a anunciar que morria de uma hora para outra. Mentira, para iludir a pessoa e servir-se dela. Não sofria do coração, nem sabia o que era coração, a esconder mais dinheiro entre a palha. Ao crepitar o colchão lá no quarto o avarento remexia no tesouro.

Um bruto, que a esquecia, dormindo em quarto separado, com medo fosse roubá-lo. Ó diabo, ela o xingou, pesteado como o papagaio louco, que a bicara ali no dedinho. O rapaz inclinou-se para beijar a unha de sangue. Mercedes ergueu-se e jurou que, se o monstro morresse, daria a Betinho o que lhe pedisse.

O rapaz não pôde dormir. Meia hora depois, saltou a janela. Agarrou no poleiro o papagaio, cabeça escondida na asa — os piolhos corriam pelo bico de ponta quebrada. Torceu o pescoço do bicho e o enterrou no quintal.

Dia seguinte o homem buscou a papagaio, a assobiar debaixo de cada árvore. Betinho sugeriu que a ave fugira. Foi colocar o vaso sob a cama e, ao tomar a bênção ao padrinho, o piolho correu de sua mão para a do velho — um dos piolhos vermelhos da peste.

Mercedes voltou ao seu quarto. Reclinada na cadeira, amarrava e desamarrava o cinto. Noite quente, queixou-se do calor, abriu o quimono: inteirinha nua.

— Vá — disse a mulher. — Vá, meu bem. Primeiro o papagaio. Agora o velho.

Betinho ficou de pé. Tremia tanto, ela o amparou até a porta:

— Vá, meu amor. A vez do velho.

Hora de pedir a bênção. Betinho subiu a escada. Aos passos no corredor o avarento, entre a bulha do colchão, perguntava quem era. Aquela noite nada falou. Betinho abriu a porta, avançou lentamente a cabeça. Tio Galileu deitara-se vestido, o saquinho de fumo espalhado no colete de veludo. O último cigarro, sem poder enrolar a palha com os dedos imóveis… Olho arregalado, a boca negra não abençoou Betinho. Fazia-se de morto, nunca mais fingiria.

Tio Galileu não gritou. Nem mesmo fechou o olho, mais fácil que o papagaio. Betinho afogou debaixo do travesseiro a boca arreganhada.

Os pés descalços de Mercedes desciam a escada. Ele ergueu o colchão, rasgou o pano, revolveu a palha: nada. Deteve-se à escuta: os passos perdidos da mulher. Avisá-la que o velho os enganara.

Era tarde, abria a janela aos gritos:

— Ladrão. Assassino! Socorro…

Texto extraído do livro “Novelas nada exemplares”, Editora Record – Rio de Janeiro, 1979, pág. 42.

05/05/2022

ARQUIDIABO BELFAGOR - Niccolò Machiavell1

 

FÁBULA DO ARQUIDIABO BELFAGOR Niccolò Machiavell1

1. Lê-se nas antigas memórias das coisas florentinas, que um santíssimo homem que vivera naqueles tempos e cuja vida havia sido celebrada por seus contemporâneos, absolto em suas orações, teve a visão de infinitas almas de miseráveis mortais que morreram na desgraça de Deus. Caminhando para o inferno, todas elas ou a sua maior parte deviam sua triste sorte por haver se casado com mulher, que a tanta infelicidade os conduzira.

2. Assim é que, Minos e Radamanto, juntamente com outros juizes infernais se maravilharam daquelas coisas. E não podendo crer naquelas calúnias contra o sexo feminino, mas vendo crescer todos os dias a dita querela, deram o conveniente relato a Plutão. Sem mais, foi deliberado por Ele que sobre esse caso todos os príncipes infernais deveriam proceder a um exame maduro e destacar depois a ação que fosse mais ajuizada para desvendar aquela falácia ou conhecer de todo a verdade.

3. Dirigindo-se-lhes em concílio, assim falou Plutão: Ainda que eu, meus caríssimos, possua este reino pela disposição celeste e pela sorte fatal irrevogáveis, e não podendo ser obrigado a nenhum juízo celeste ou mundano, em razão disso penso que devemos agir com maior prudência, submeter-nos a maior estima da lei e estimar ainda mais o juízo. Por isso, deliberei ser aconselhado por vocês, neste caso, o qual pode nos atingir com a infâmia.

4. Quando todas essas almas de homens vêm ao nosso reino, dizendo-se vítimas de suas mulheres, parece impossível. Mas se pensarmos em dar ouvidos a essas questões, poderemos ser caluniados como excessivamente crédulos e, se não dermos, podem nos acusar de relapsos e pouco amantes da justiça. E porque, de um lado pecaríamos por leviandade e por outro por injustiça, e querendo fugir dessas imagens por todos os modos, aqui nos encontramos, aconselhando-nos, e ajudando este reino a permanecer sem infâmia em seu passado, como em seu futuro.

 5. Pareceu a todos os príncipes que o caso era importantíssimo e de grande consideração, concluindo todos pela necessidade de descobrir-se a verdade. Entretanto, as maneiras pelas quais deveriam investigar eram discrepantes. A alguns parecia necessário enviar-se alguém ao mundo mortal, sob a forma de um homem, para conhecer pessoalmente a verdade; a muitos outros ocorria poder fazer-se sem tanto esforço, apenas submetendo algumas almas a ferozes torturas de modo a descobrir-se a verdade. Contudo, a maioria aconselhou o envio de um observador. E não se encontrando alguém que, voluntariamente, empreendesse aquela tarefa, deliberaram que a sorte fosse lançada. E a missão coube ao arquidiabo Belfagor, que recentemente caíra do céu, de sua antiga posição de arcanjo.

1 Tradução do original italiano “La favola Di Belfagor Arcidiavolo”, por Marcos H. Camargo. 2

 6. Mesmo que mal quisesse suportar tal encargo, constrangido pelo império de Plutão, Belfagor dispôs-se ao que havia sido determinado pelo concílio, obrigando-se às condições solenemente deliberadas, as quais foram: o arquibiabo deveria partir imediatamente para o cumprimento de sua missão; a ele seria destinada a quantia de cem mil ducados, que com os quais deveria ir ao mundo dos mortais, sob a forma de um homem, casar-se com uma mulher e viver com ela dez anos. Depois desse período, fingindo morrer, deveria retornar àquela assembléia infernal e relatar a seus superiores os cuidados e os incômodos do matrimônio.

 7. Também foi dito que durante seu tempo sobre a terra, Belfagor seria submetido a todos os dissabores e males que são suportados pelos homens, como a pobreza, o cárcere, a doença e todos os demais infortúnios que incorrem os homens, podendo livrar-se deles apenas com sua astúcia e malícia.

8. Estabelecidas as condições e o dinheiro, Belfagor vem ao mundo. Seguido de sua comitiva de cavalos e companheiros infernais, entrou honoravelmente em Florença, cidade que todos elegem por seu domicílio, porque parece mais apta a sustentar os que exercem as artes usurárias.

9. O arquidiabo fez-se chamar de Rodrigo di Castilla e alugou uma casa no Borgo d`Ognisanti. E porque não podiam conhecer sua real condição, Rodrigo disse pertencer a um pequeno lugarejo de Espanha e, vindo a Soria, depois em Aleppe, fez fortuna e partiu para a Itália, tomar uma mulher como esposa em lugar mais civilizado, conforme seu desejo.

 10. Rodrigo era um homem belíssimo e aparentava cerca de 30 anos. Em poucos dias demonstrou haver uma riqueza abundante, dando exemplo dela em gestos humanos e de grande liberalidade. Assim muitos cidadãos nobres que tinham muitas filhas e pouco dinheiro passam a oferecê-las em matrimônio. Entre todas elas, Rodrigo elegeu uma belíssima mocinha de nome Onesta, filha de Americo Donati, que tinha outras três filhas e três filhos. Embora fossem de nobilíssima família, tendo em Florença um bom nome, haviam empobrecido muito.

11. A festa de núpcias foi magnífica e esplendorosa, não faltando nada daquilo que se encontra em tais ocasiões. E aproveitando-se de todas as paixões humanas que lhe foram permitidas ao sair do inferno, rapidamente Rodrigo abraçou-se aos prazeres da honra e pompa do mundo, rejubilando-se de estar entre os seres humanos.

12. Em pouco tempo, Rodrigo apaixonou-se por sua esposa Onesta e não podia sequer respirar quando a via triste ou experimentando algum desprazer. Porém, a senhora Onesta havia trazido para a casa de Rodrigo, não apenas nobreza e beleza, mas uma soberba que o arquidiabo não havia visto nem em Lúcifer. Rodrigo, que tinha provado das duas soberbas, achava a de Onesta muito superior.

 13. Entretanto, a soberba de Onesta acabou por crescer ainda mais com o tempo. Primeiramente, a esposa assenhorou-se do amor que seu marido lhe ofertava e sem qualquer piedade ou respeito passou a comandá-lo e nem titubeava em achacar com desprezo tudo aquilo que Rodrigo considerava estimável. Além disso, o sogro, os 3 cunhados e a parentela toda eram obrigações do matrimônio que, por amor, Rodrigo suportava com paciência.

14. Mas, para estar bem com sua esposa amada, Rodrigo a cobria de novos vestidos e jóias, e se fazia pródigo ajudando ao sogro com muito dinheiro para fazer casar suas outras filhas. Depois disso, ainda se esforçando para contentar a esposa, enviou um de seus irmãos para mercadejar tecidos no Oriente, e despachou outro irmão com mercadorias diversas para o Ocidente, abriu um negócio em Florença para o terceiro cunhado, assim despendendo a maior parte de sua fortuna.

15. Na época de Carnaval e das festas de São João, por costume antigo, todos os nobres cidadãos de Florença honravam seus convidados com festas esplendorosas. Assim, não querendo ver Onesta sentir-se inferior aos demais de sua classe, Rodrigo mandava realizar todos os anos a festa mais importante e mais cara, que a todos superasse.

 16. Rodrigo fazia tudo para suportar a situação. A quase tudo perdoava e relevava, mesmo que fosse grave, tão somente para obter um pouco de paz em sua casa, esperando contrito o tempo de sua ruína. Mas, pelo contrário, as despesas insuportáveis e a insolente natureza de sua esposa lhe causavam incômodos terríveis. Os serviçais não ficavam muito tempo, porque não agüentavam o gênio de Onesta, causando muitos dissabores a Rodrigo, que não podia convencer ninguém a permanecer a seu lado, inclusive os outros diabos que lhe acompanharam em sua missão, disfarçados de seus parentes. Esses pobres coitados retornaram ao inferno, preferindo as chamas de Plutão, que viver sob o império de Onesta.

 17. Vendo-se em uma vida inquieta e tumultuada, e percebendo que suas despesas desordenadas já lhe haviam consumido quase toda sua fortuna, alimentou as esperanças de que seus cunhados voltassem do Oriente e Ocidente com lucros. Tendo feito bom nome, resolveu utilizar-se de seu crédito pegando dinheiro emprestado daqueles que trabalham no mercado.

 18. Contudo, notícias do Oriente e do Ocidente davam conta de que um dos irmãos de Onesta havia perdido todo o dinheiro de Rodrigo no jogo, enquanto o outro havia perdido toda sua mercadoria em um naufrágio, sem ter contratado um seguro para elas. Essas informações rapidamente chegaram aos credores de Rodrigo, que resolveram unir-se e vigiá-lo para garantir o pagamento de suas dívidas vincendas.

 19. Rodrigo, de sua parte, não vendo remédio para seu problema, e conhecendo as limitações impostas pelas condições infernais a que estava submetido, pensou em fugir a qualquer custo. Em uma manhã, montado a cavalo, o arquidiabo escapou pela Porta al Prato. Logo após, o rumor de sua fuga chegou aos credores, que acionaram os juizes que, por sua vez colocaram a milícia em perseguição do acusado.

20. Ao perceber que estava sendo seguido de perto, ainda próximo da cidade, resolveu sair da estrada rumo aos campos, em busca de um pouco de sorte. Mas, fazendo isso, não teve como seguir a cavalo, pondo-se a correr a pé. De campo em campo, cobertos de vinhas e sorgos, chegou a Peretola, em casa de Gianmatteo del Brica, servo de Giovanni del Bene. Por sorte, encontrou Gianmatteo chegando em sua 4 casa depois de cuidar das vacas. Rodrigo pediu para que Gianmatteo o ajudasse a se salvar de seus inimigos, que o queriam fazer morrer na prisão e prometeu ao homem em troca, que o faria rico. Gianmatteo, embora campesino, era homem inteligente, e julgando não poder perder a oportunidade de tomar partido da situação, logo escondeu Rodrigo debaixo de um monte de seixos que havia em frente a sua casa. Tão logo o esconderijo fora ocupado chegaram os perseguidores numa turba, questionando Gianmatteo sobre um estranho que por ventura passara por ali. Em vão, procuraram por Rodrigo nas redondezas, mas não o achando, retornaram a Florença.

21. Passada a confusão, Gianmatteo ajuda Rodrigo a sair do buraco e em seguida lhe cobra a promessa feita. Sem delongas, Rodrigo disse ao campesino: "Meu irmão, eu tenho contigo uma grande dívida e quero por todos os modos resgatar-lhe, principalmente porque você acreditou que eu podia fazê-lo. E mais, eu lhe direi também quem sou." Assim, Belfagor, que se passava por Rodrigo, narrou toda sua desventura, quem de fato era, das leis infernais a que estava submetido e de sua mulher. Disse ainda, como pretendia ajudá-lo. O plano era o seguinte: quando Gianmatteo ouvir dizer que alguma moça estava possuída pelo demônio, deveria saber que era ele, BelfagorRodrigo, estava atormentando a pobre alma. Daquele corpo, ele não sairia enquanto Gianmatteo não ordenasse. Essa era a oportunidade para que o campesino fizesse uma fortuna com o pagamento pelo exorcismo. Acertou com Gianmatteo os outros detalhes e desapareceu.

22. Não se passaram muitos dias quando se espalhou por Florença a notícia de que a filha de Ambruogio Amidei, casada com Banaiuto Tabalducci, estava endemoniada. Não faltaram os parentes a fazer inúmeros remédios, como se fazem nesses casos, colocando em sua cabeça a capa de San Zaboni e o manto de San Giovanni Gualberto. Mas Rodrigo as fazia voar para longe. E para confirmar a todos que o mal da moça era um espírito e não uma outra fantástica imaginação, falava em latim e disputava com os sábios assuntos de filosofia e descobria os pecados alheios, dentre os quais os de um padre que havia mantido por quatro anos em sua cela, uma mocinha vestida de noviço. Aquilo tudo maravilhava a todos.

 23. Muito triste, mestre Ambruogio havia de tudo provado em vão e, por isso, perdera toda esperança de curá-la, quando Gianmatteo veio a seu encontro e lhe prometeu a saúde da filha, pela quantia de quinhentos fiorini, de modo que ele comprasse um pedaço de terra em Peretola. De pronto mestre Ambruogio aceitou o negócio. Então, Gianmatteo fez rezar uma missa e encenou sua cerimônia de abolição da moça. Disse ao ouvido do arquidiabo: "Rodrigo, eu vim lhe encontrar, porque você me disse observar sua promessa." Em resposta, Rodrigo lhe falou: "Estou satisfeito. Mas isso não basta para tornar-lhe um homem rico. Assim que eu deixar o corpo dessa moça, entrarei no corpo da filha de Carlo, rei de Nápoles, e de lá não sairei sem a sua intervenção." Dito isso, Rodrigo sai do corpo da moça causando admiração em toda Florença.

24. Não passou muito tempo sem que por toda a Itália se espalhasse a notícia sobre a pequena filha do rei de Nápoles. Sem que quaisquer remédios obtivessem a cura 5 da moça, ao rei Carlo chegou a notícia sobre Gianmatteo, e foi imediatamente requisitada sua presença naquela corte. O campesino chegou a Nápoles e com uma pequena cerimônia acabou por resgatar a moça ao demônio. Mas Rodrigo, antes de partir disse: "Veja, Gianmatteo, que eu observei as promessas de haver lhe feito riqueza. Assim, tornando-me desobrigado contigo, nada lhe devo mais. Portanto, contente-se por agora e não me persiga mais, pois da mesma maneira que lhe fiz o bem, posso lhe fazer o mal."

25. Assim, Gianmatteo retornou a Florença muito rico, porque havia recebido do rei Carlo de Nápoles a fantástica quantia de quinhentos ducados, e pensou gozar daquela riqueza pacificamente, não crendo que Rodrigo pensaria em prejudicá-lo. Entretanto, seus planos foram rapidamente desfeitos por uma notícia vinda da parte de Ludovico Sétimo, rei de França, cuja filha estava endemoniada. Aquela novidade abalou Gianmatteo, devido ao dilema que o colocava diante da autoridade daquele rei e o que Rodrigo lhe havia dito por último.

 26. E não encontrando o rei de França um remédio eficiente para sua filha, lhe chegou a informação sobre um tal Gianmatteo de Florença. O rico campesino alegou indisposição e evitou sua ida à França, mas o rei fez sua demanda diretamente ao governo de Florença, que acabou por obrigar Gianmatteo a atender o poderoso monarca. Portanto, desconsolado, encaminhou-se a Paris. Lá chegando, disse ao rei que se no passado havia resolvido o problema de algumas endemoniadas, não seria possível a um parvo campesino tudo sanar. Especialmente porque a natureza pérfida dos demônios muitas vezes não perece diante de ameaças, encantos e cânticos de quaisquer religiões.

 27. Diante disso, o perturbado rei disse que se Gianmatteo não curasse a sua filha, certamente ele seria preso. Assustado, Gianmatteo resolveu mandar vir a endemoniada e, falando diretamente a seu ouvido, humildemente solicitou que Rodrigo recordasse do benefício que ele lhe havia feito, evitando-lhe tanta dor e aborrecimentos. O arquidiabo disse então: "Ah! Traidor, o que planeja vindo outra vez até mim? Acredita poder escapar de minhas mãos? Eu vou mostrar a todos presentes como eu realmente sou e de tudo que sou capaz, se você não sumir da minha frente." 

28. Assim, não vendo solução à vista para seu problema, Gianmatteo resolveu tentar a sorte por outras vias. Mandou a endemoniada de volta a seus aposentos e disse ao rei: “Senhor, como lhe disse antes, há muitos espíritos malignos que com os quais não se pode entrar em acordo. Portanto, quero fazer uma última experiência. Em caso de não dar certo, vossa majestade fará de mim aquilo que sua compaixão tiver por minha inocência”.

 29. Mande, então, se fazer junto a praça de Nostre Dame um grande palco capaz de conter todos os seus barões e todo o clero desta cidade. Este palco deve ser de seda drapejada em ouro, com um altar em seu centro. Domingo, pela manhã, vossa majestade deverá aproximar-se com toda pompa e esplêndidos vestidos, juntamente com todo o clero, seus príncipes e barões, após ser rezada a missa. Assim, fará vir a endemoniada.

30. Quero, além disso, que em um dos cantos da praça fiquem ao menos vinte pessoas com trompas, cornetas, tambores e címbalos de todos os tipos. A um sinal de 6 meu chapéu, todos os instrumentos devem tocar e subir ao palco em minha direção. Juntamente com essas coisas deverei contar com remédios secretos de minha fabricação, que acredito farão fugir o espírito."

 31. De imediato, o rei mandou que fosse realizada a vontade de Gianmatteo. Ao chegar a manhã de Domingo, com o palco repleto de nobres e a praça abarrotada de populares, foi celebrada a missa e mandada trazer a endemoniada ao palco, pelas mãos dos bispos e outros senhores.

32. Quando Rodrigo viu tanta gente e tanto aparato, ficou paralisado e disse consigo mesmo: "Que coisa pensa fazer aquele poltrão? Acredita ele me expulsar com toda essa pompa? Ele não sabe que eu sou acostumado à pompa celeste e as fúrias infernais? Eu o castigarei por todos os modos."

33. Gianmatteo aproximou-se de Rodrigo e pediu-lhe que saísse, mas esse lhe disse: "Oh! Que uma bela encenação! Mas crê fazer o que com todo esse aparato? Acredita que irá fugir de minha ira e daquela do rei? Trapalhão, eu lhe farei sofrer por todos os modos." E assim, Rodrigo segue dizendo vilanias grosseiras, enquanto Gianmatteo imagina não ser possível perder mais tempo.

34. O rico campesino fez, então, o gesto com seu chapéu, provocando os instrumentos e seus músicos, que passaram a se aproximar do palco. Em razão daqueles terríveis rumores, Rodrigo alçou ouvidos para entender que coisa era aquela e, maravilhado, perguntou a Gianmatteo do que se tratava. 

35. Também aparentando agitação, Gianmatteo responde: "Oh! Rodrigo, me parece que é Onesta que vem vindo para lhe reencontrar." Ao recordar o nome de sua mulher, Rodrigo transformou seu ânimo de uma forma surpreendente. Tanto que, nem pensando se era possível ou razoável que fosse mesmo ela, sem cogitar de mais nada, todo atrapalhado, fugiu desesperadamente, deixando livre a filha do rei.

36. Rodrigo preferiu seguir ao inferno, relatar o motivo de seu retorno prematuro e enfrentar as terríveis conseqüências da desobediência à assembléia infernal, do que submeter-se novamente aos perigos do jogo matrimonial.

37. Assim, Belfagor, voltando ao Inferno, deu fé aos relatos sobre as casas comandadas por mulheres. E Gianmatteo, que soube enganar o próprio diabo, voltou feliz e mais rico para suas terras.

04/04/2022

Para pensar

Um violinista tocou 45 minutos no metro de Nova York. 4 pessoas pararam e uma bateu palmas, conseguiu arrecadar 20 dólares.

Na noite seguinte, o mesmo violinista tocou em um dos cenários mais reconhecidos do mundo e cobrava pelo menos $100 cada ingresso.

A experiência provou que o extraordinário num ambiente comum não brilha, não é reconhecido.

Existem profissionais brilhantes que não recebem uma recompensa de acordo com o seu potencial, uma vez que se armam de valor e saem deste tipo de ambientes florescem e crescem.

Quando uma pessoa não está no ambiente certo as pessoas poderão passar por ela e não ver o quão excepcionais são, apenas por favor, certifique-se de estar onde você deveria estar!

03/04/2022

Proposta de redação relato - Túnel do tempo

GÊNERO: Relato Pessoal 

 

O relato pessoal é um texto que relata episódios da vida de quem escreve; apresenta tempo e espaço bem-definidos; predomina nele o tempo passado; é escrito na 1ª pessoa; o narrador é protagonista (personagem principal); apresenta trechos descritivos. 

 

 PRODUÇÃO TEXTUAL 

 Escolha uma das propostas de produção de texto a seguir e escreva um relato pessoal. 

 

1- Quem sou eu? – Você pode começar o relato dizendo seu nome e sua idade e descrevendo como é fisicamente: cor dos olhos, do cabelo, sua altura e seu peso, seus traços particulares, com quem da família você se parece. Conte sobre sua família: como são seus pais, quantos irmãos tem, se são mais velhos ou mais novos do que você, como eles são, como é o relacionamento entre vocês, etc. Você pode falar também sobre seus gostos: livros, revistas, músicas, esportes, games, filmes, programas de televisão, pratos prediletos, passeios, hobbies, etc., sobre coisas que detesta, quais são suas manias, coisas e atitudes que lhe agradam ou que lhe desagradam, o que o(a) encanta no mundo e na natureza, quais são seus sonhos, suas vontades. 

 

2- No túnel do tempo – Lembre-se de algum momento em que você, bem criança, esteve em algum lugar com outras pessoas, familiares, colegas de escola ou amigos. Embarque no túnel do tempo: inspirando-se nisso, relate o que você e as pessoas com quem você estava faziam naquele momento, de que evento participavam, o que falavam, do que riam, o que acontecia, etc. Para tornar seu relato mais real, seja fiel na descrição das pessoas, do lugar, do momento em si.  

 

Escreva seu texto em uma folha destacada para entregá-lo ao professor. Não se esqueça de reler e observar o que precisa ser melhorado antes de entregá-lo. A reescrita faz parte do processo de produção textual. Bom trabalho! 

 


22/03/2022

Às escuras - Artur de Azevedo

Artur de Azevedo

ÀS ESCURAS

Havia baile naquela noite em casa do Cachapão, o famoso mestre de dança, que alugara um belo sobrado na Rua Formosa, onde todos os meses oferecia uma partida aos seus discípulos, sob condição de entrar cada um com dez mil-réis.

D. Maricota e sua sobrinha, a Alice, eram infalíveis nesses bailes do Cachapão.

D. Maricota era a velha mais ridícula daquela cidadezinha da província; muito asneirona, mas metida a literata, sexagenária, mas pintando os cabelos a cosmético preto, e dizendo a toda a gente contar apenas trinta e cinco primaveras - feia de meter medo e tendo-se em conta de bonita, era D. Maricota o divertimento da rapaziada.

Em compensação, a sobrinha, a Alice, era linda como os amores e muito mais criteriosa que a tia.

O Lírio, moço da moda, que fazia sempre um extraordinário sucesso nos bailes de Cachapão, namorava a Alice, e no baile anterior lhe havia pedido... um beijo.

- Um beijo?! Você está doido, seu Lírio?! Onde? Como? Quando?

- Ora! Assina você queira...

- Eu não dou; furte-o você se quiser ou se puder. Isto dizia ela porque bem sabia que as salas estavam sempre cheias de gente, e a ocasião não poderia fazer o ladrão.

Demais, D. Maricota, a velha desfrutável, que andava um tanto apaixonada pelo moço, que aliás podia ser seu neto, tinha ciúmes e não os perdia de vista.

Mas o Lírio, que era fértil em idéias extraordinárias, combinou com um camarada, o Galvão, que este entrasse no corredor do sobrado às 10 horas em ponto, e fechasse o registro do gás.

Se o Lírio bem o disse, melhor o fez o Galvão; mas ao namorado saiu-lhe o trunfo às avessas, como vão ver.

Faltavam dois ou três minutos para as 10 horas, quando ele se aproximou de Alice e murmurou-lhe ao ouvido:

- Aquela autorização está de pé?

- Que autorização?

- Posso furtar o beijo?

- Quando quiser.

- Bom; vamos dançar esta quadrilha.

Mas a velha D. Maricota levantou-se prontamente da cadeira em que estava sentada e enfiou o braço no braço do moço, dizendo:

Perdão, seu Lírio! Esta quadrilha é minha! O senhor já dançou uma quadrilha e uma valsa com Alice!

E arrastou o Lírio para o meio da sala.

De repente, ficou tudo às escuras.

Passado um momento de pasmo, D. Maricota agarrou-se ao pescoço do Lírio e encheu-o de beijos, dizendo muito baixinho:

- Ingrato! Ingrato! Foi o meu bom amigo que apagou as luzes!

E aqui está como ao Lírio saiu o trunfo às avessas.

 


27/01/2022

E.E. "Dr. Fausto Cardoso Figueira de Mello" Um lindo poema escrito em suas paredes

 

MUITO PRAZER

A primeira impressão

Talvez eu possa parecer

Apenas um gigante de concreto.

 

Erigido para a luz.

Tenho sofrido a desconsideração de muitos

Aos quais eu já perdoei.

Sigo otimista, contudo, cada dia mais.

 

Caminho suave, sou roteiro de esperanças.

Sonho hoje, oficina amanhã.

Promessa e realidade.

Sou verdade.

 

Me amando, você assimilará o meu amor.

Tornar-se livre também.

 

Sob meus cuidados,

Criaturas instruídas e fortes,

Entrarão na posse de si mesmas,

 Pedra, sou firmeza,

Jardim sou verdor e poesia.

Silêncio festivo, entoando alvíssaras

Alegria.

 

Venha conhecer-me.

Traga-me com sua vida mais vida

Às vidas que nos rodeiam

Você sabe que pode contar comigo.

Chamar-me simplesmente de Fausto.

Ou de AMIGO