05/09/2013

A outra noite - Crônica de Rubem Braga



 A OUTRA NOITE 

 Outro dia fui a São Paulo e resolvi voltar à noite, uma noite de vento sul e chuva, tanto lá como aqui.
Quando vinha para casa de táxi, encontrei um amigo e o trouxe até Copacabana;
e contei a ele que lá em cima, além das nuvens, estava um luar lindo, de lua cheia; 
e que as nuvens feias que cobriam a cidade eram, vistas de cima, enluaradas, colchões de sonho, alvas, uma paisagem irreal. 
 Depois que o meu amigo desceu do carro, o chofer aproveitou o sinal fechado para voltar-se para mim: 
 -O senhor vai desculpar, eu estava aqui a ouvir sua conversa. 
Mas, tem mesmo luar lá em cima? 
 Confirmei: sim, acima da nossa noite preta e enlamaçada e torpe havia uma outra
- Pura, perfeita e linda. 
 -Mas, que coisa... 
 Ele chegou a pôr a cabeça fora do carro para olhar o céu fechado de chuva. 
Depois continuou guiando mais lentamente. 
Não sei se sonhava em ser aviador ou pensava em outra coisa.
 -Ora, sim senhor... 
 E, quando saltei e paguei a corrida, ele me disse um "boa noite" e um "muito obrigado ao senhor" tão sinceros, tão veementes, como se eu lhe tivesse feito um presente de rei. 
                                                                                            
                                                                                                                Rubem Braga

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