20/08/2013

Piaget, Vygotsky e Wallon: Teorias Psicogenéticas em Discussão Yves De La Taille


 

PARTE I - FATORES BIOLÓGICOS E SOCIAIS 
O lugar da interação na concepção de Jean Piaget

Yves de La Taille
La Taille considera que nada há de mais injusto que a crítica feita a Piaget de desprezar o papel dos fatores sociais no desenvolvimento huma­no. O máximo que se pode dizer é que Piaget não se deteve sobre a questão, mas, o pouco que levantou é de suma importância.

Para o autor, o postulado de Wallon de que o homem é "genetica­mente social" (impossível de ser pen­sado fora do contexto da sociedade) também vale para a teoria de Piaget, pois são suas palavras: "desde o nas­cimento, o desenvolvimento intelec­tual é, simultaneamente, obra da so­ciedade e do indivíduo" (p. 12).

Para Piaget, o homem não é soci­al da mesma maneira aos seis meses ou aos vinte anos. A socialização da inteligência só começa a partir da aquisição da linguagem. Assim, no es­tágio sensório-motor a inteligência é essencialmente individual, não há socialização. No estágio pré-operatório, as trocas intelectuais equilibradas ainda são limitadas pelo pensamento egocêntrico (centrado no eu): as cri­anças não conseguem seguir uma referência única (falam uma coisa agora e o contrário daí a pouco), colocar-se no ponto de vista do outro não são autônomas no agir e no pen­sar. No estágio operatório-concreto começam a se efetuar as trocas inte­lectuais e a criança alcança o que Piaget chama depersonalidade: indivíduo se submetendo voluntaria­mente às normas de reciprocidade e universalidade. A personalidade é o ponto mais refinado da socialização o eu renuncia a si mesmo para inse­rir seu ponto de vista entre os outros em oposição ao egocentrismo, e que a criança elege o próprio pensa­mento como absoluto. O ser social de mais alto nível é aquele que consegue relacionar-se com seus seme­lhantes realizando trocas em coope­ração, o que só é possível quando atingido o estágio das operações formais (adolescência).

O processo de socialização

A socialização vai do grau zero (recém-nascido) ao grau máximo (personalidade). O indivíduo mais evoluído pode usufruir tanto de sua autonomia quanto das contribuições dos outros.

Para Piaget, "autonomia significa ser capaz de se situar consciente e competentemente na rede dos diversos pon­tos de vista e conflitos presentes numa sociedade" (p. 17). Há uma "marcha para o equilíbrio", com bases biológicas, que começa no período sensório-motor, com a construção de esquemas de ação, e chega às ações interiorizadas, isto é, efetuadas mentalmente.

Embora tudo pareça resumir-se à relação sujeito-objeto, para La Taille, as operações mentais permitem o conhecimento objetivo da natureza e da cultura e são, portanto, necessidades decorrentes da vida social. Para ele, Piaget não compartilha do "otimismo" de que todas as relações sociais favorecem o desenvolvimento. Para La Taille, a peculiaridade da teoria piagetiana é pensar a interação da perspectiva da ética (igualdade, respeito mútuo, liberdade, direitos huma­nos). Ser coercitivo ou cooperativo de­pende de uma atitude moral, sendo que a democracia é condição para o de­senvolvimento da personalidade. Diz ele: "A teoria de Piaget é uma grande defesa do ideal democrático" (p. 21).

Vygotsky e o processo de formação de conceitos
Morto Kohl de Oliveira 
Substratos biológicos e construção cultural no desenvolvimento humano

A perspectiva de Vygotsky é sem­pre a da dimensão social do desenvol­vimento. Para ele, o ser humano constitui-se como tal na sua relação com o outro social; a cultura torna-se parte da natureza humana num processo histórico que molda o funcionamento psicológico do homem ao longo do de­senvolvimento da espécie (fïlogenética) e do indivíduo (ontogenética). O ser humano tem, assim, uma dupla natu­reza: membro de uma espécie biológi­ca que só se desenvolve no interior de um grupo cultural.

Vygotsky rejeitou a ideia de funções fundamentais fixas e imutáveis, "tra­balhando com a noção do cérebro como um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do de­senvolvimento individual" (p. 24). Para ele, o cérebro é formado por sistemas funcionais complexos, isto é, as fun­ções não se localizam em pontos específicos, mas se organizam a partir da ação de diversos elementos que atuam de forma articulada. O cérebro tem uma estrutura básica, resultante da evolução da espécie, que cada membro traz consigo ao nascer. Essa estrutura pode ser articulada de dife­rentes formas pelo sujeito, isto é, um mesmo problema pode ser soluciona­do de diferentes formas e mobilizar diferentes partes do cérebro.

Há uma forte ligação entre os pro­cessos psicológicos e a inserção do in­divíduo num contexto sócio-histórico específico. Instrumentos e símbolos construídos socialmente é que definem quais possibilidades de funcionamento cerebral serão concretizadas. Vygotsky apresenta a ideia de mediação: a rela­ção do homem com os objetos é medi­ada pêlos sistemas simbólicos (repre­sentações dos objetos e situações do mundo real no universo psicológico do indivíduo), que lhe possibilita planejar o futuro, imaginar coisas, etc.

Em resumo: operar com sistemas simbólicos permite o desenvolvimen­to da abstração e da generalização e define o salto para os processos psi­cológicos superiores, tipicamente hu­manos. Estes têm origem social, isto é, é a cultura que fornece ao indiví­duo o universo de significados (repre­sentações) da realidade. As funções mentais superiores baseiam-se na operação com sistemas simbólicos e são construídas de fora para dentro num processo de internalização.

O processo de formação de conceitos

A linguagem é o sistema simbóli­co fundamental na mediação entre sujeito e objeto do conhecimento e tem duas funções básicas: interação social (comunicação entre indivídu­os) e pensamento generalizante (sig­nificado compartilhado pelos usuári­os). Nomear um objeto significa colocá-lo numa categoria de objetos com atributos comuns. Palavras são signos mediadores na relação do ho­mem com o mundo.

O desenvolvimento do pensamen­to conceitual segue um percurso ge­nético que parte da formação de con­juntos sincréticos (baseados em nexos vagos e subjetivos), passa pelo pensa­mento por complexos (baseado em ligações concretas e factuais) e chega à formação de conceitos (baseados em ligações abstratas e lógicas).

Esse percurso não é linear e refe­re-se à formação de conceitos cotidianos ou espontâneos, isto é, de­senvolvidos no decorrer da atividade prática da criança em suas interações sociais imediatas e são, portanto, im­pregnados de experiências. Já os con­ceitos científicos são os transmitidos em situações formais de ensino-aprendizagem e geralmente começam por sua definição verbal e vão sendo ex­pandidos no decorrer das leituras e dos trabalhos escolares. Assim, o desen­volvimento dos conceitos espontâne­os é ascendente (da experiência para a abstração) e o de conceitos científi­cos é descendente (da definição para um nível mais elementar e concreto). A partir do exposto, duas conclusões são fundamentais:

1a - diferentes culturas produzem modos diversos de funcionamento psicológico; 
2a - a instrução escolar é de enorme importância nas sociedades letradas.

Do ato motor ao ato mental: a gênese da inteligência segundo Wallon

Heloysa Dantas 
Wallon tem uma preocupação per­manente com a infra-estrutura orgâni­ca de todas as funções psíquicas. Seus estudos partem de pessoas com pro­blemas mentais, portanto, seu ponto de partida é o patológico, isto é, utiliza a doença para entender a normalidade.

Para Wallon, o ser humano é or­ganicamente social, isto é, sua estru­tura orgânica supõe a intervenção da cultura. A metodologia do seu traba­lho ancora-se no materialismo dialético, concebendo a vida dos organismos como uma pulsação permanen­te, uma alternância de opostos, um ir e vir permanente, com avanços e recuos.

A motricidade: do ato motor ao ato mental.

A questão da motricidade é o gran­de eixo do trabalho de Wallon. Para ele, o ato mental se desenvolve a partir do ato motor. Ao longo do desenvol­vimento mental, a motricidade ciné­tica (de movimento) tende a se redu­zir, dando lugar ao ato mental. Assim, mesmo imobilizada no esforço men­tal, a musculatura permanece em atividade tônica (músculo parado, ati­tude). A tipologia de movimento que Wallon adota parte de atos reflexos, passa pelos movimentos involuntários e chega aos voluntários ou praxias, só possíveis graças à influência ambiental aliada ao amadurecimento cerebral.

Ao nascer, é pela expressividade mímica que o ser humano atua sobre o outro. A motricidade disponível consiste em reflexos e movimen­tos impulsivos, incoordenados. A ex­ploração da realidade exterior só é possível quando surgem as capacida­des de fixar o olhar e pegar. A competência no uso das mãos só se com­pleta ao final do primeiro ano de vida, quando elas chegam a uma ação complementar (mão dominante e auxiliar). A etapa dominantemente práxica da motricidade ocorre para­lelamente ao surgimento dos movi­mentos simbólicos ou ideativos. O movimento, a princípio, desencadeia o pensamento. Por exemplo, uma cri­ança de dois anos, que fala e gesti­cula, tem seu fluxo mental atrofiado se imobilizada. O controle do gesto pela ideia inverte-se ao longo do de­senvolvimento. Há uma transição do ato motor para o mental.

As fases da inteligência - as etapas de construção do eu

No processo de desenvolvimento da inteligência há preponderância (a cada período mais marcado pelo afetivo segue-se outro mais marcado pelo cognitivo) e alternância de funções (a criança ora está mais voltada para a realidade das coisas/conhecimento do mundo - fases centrípetas, ora mais vol­tada para a edificação da pessoa/co­nhecimento de si - fases centrífugas).

1a fase: impulsivo-emocional (de zero a um ano). Voltada para o desen­volvimento motor e para a construção do eu. No recém-nascido, os movi­mentos impulsivos que exprimem des­conforto ou bem estar são interpreta­dos pelos adultos e se transformam em movimentos comunicativos atra­vés da mediação social; até o final do primeiro ano a relação com o ambi­ente é de natureza afetiva e a criança estabelece com a mãe um "diálogo tônico" (toques, voz, contatos visuais).

2a fase: sensório-motor e projetivo (de um a três anos). Aprenden­do a andar a criança ganha mais autonomia e volta-se para o conhe­cimento do mundo. Surge uma nova fase de orientação diversa, voltada para a exploração da realidade exter­na. Com a linguagem, inicia-se o do­mínio do simbólico.

3a fase: personalismo (três a seis anos). Novamente voltada para den­tro de si, a preocupação é agora construir-se como ser distinto dos demais (individualidade diferenciada). Com o aperfeiçoamento da linguagem, de­senvolve-se o pensamento discursivo. Sucedem-se uma etapa de rejeição (atitudes de oposição), outra de sedução do outro e conciliação (idade da graça) e outra de imitação (toma o outro como modelo).

4a fase: categorial (seis a onze anos). Voltada para o cognitivo, é a fase escolar. Ao seu final, há a superação do sincretismo do pensamen­to em direção à maior objetividade e abstração. A criança torna-se capaz de diferenciações intelectuais (pensa­mento por categorias) e volta-se para o conhecimento do mundo.

5a fase: puberdade e adolescên­cia (a partir dos onze anos). Nesta fase, caracterizada pela auto-afirmação e pela ambivalência de atitudes e sentimentos, a criança volta-se no­vamente para a construção da pes­soa. Há uma reconstrução do esquema corporal e o jovem tem a tarefa de manter um eu diferenciado (dos outros) e, ao mesmo tempo, integra­do (ao mundo), o que não é fácil.

PARTE II - AFETIVIDADE E COGNIÇÃO 
Desenvolvimento do juízo moral afetividade na teoria de Jean Piaget

Yves de La Taille 
A obra "O julgamento moral da criança"(1932) traz implícita a relação que existe entre afetividade e cognição para Piaget, bem como a importân­cia que ele atribui à autonomia moral.

a) As regras do jogo 
Segundo Piaget, toda moral con­siste num sistema de regras, sendo que a essência da moralidade deve ser procurada no respeito que o indi­víduo tem por elas. Piaget utilizou o jogo coletivo de regras como campo de pesquisa por considerá-lo paradi­gmático para a moralidade humana porque: é atividade inter-individual regulada por normas que podem ser modificadas e que provêem de acor­dos mútuos entre os jogadores, sen­do que o respeito às normas tem um caráter moral (justiça, honestidade..).

Piaget dividiu em três etapas a evolução da prática e da consciência de regras:

1a - anomia (até 5/6 anos): as cri­anças não seguem atividades com regras coletivas; 
2a - heteronomia (até 9/10 anos): as crianças vêm as regras como algo de origem imutável e não como contrato firmado entre os jogadores; ao mesmo tempo, quando em jogo, in­troduzem mudanças nas regras sem prévia consulta aos demais; as regras não são elaboradas pela consciência e não são entendidas a partir de sua função social; 
3a - autonomia: é a concepção adul­ta de jogo; o respeito às regras é visto como acordo mútuo em que cada jo­gador vê-se como possível "legislador".

b) O dever moral 
O ingresso da criança no univer­so moral se dá pela aprendizagem dos deveres a ela impostos pelos pais e demais adultos, o que acontece na fase de heteronomia e se traduz pelo "realismo moral" que tem as seguin­tes características: 
•  a criança considera que todo ato de obediência às regras impostas é bom; 
•  as regras são interpretadas ao pé da letra e não segundo seu espírito; 
• há uma concepção objetiva de res­ponsabilidade: o julgamento é feito pela consequência do ato e pela
  intencionalidade. 
c) A justiça 
  A noção de justiça engloba todas as outras noções morais e envolve ideias matemáticas (proporção, peso, igualdade). Quanto menor a criança mais forte a noção de justiça imanente (todo crime será castigado, mesmo que seja por força da natureza), mais ela opta por sanções expiatórias (o castigo tem uma qualidade estranha ao delito) e mais severa ela é (acha que quanto mais duro o castigo, mais justo ele é). A partir dos 8/9 anos a desobediência já é vista como ato le­gítimo quando há flagrante injustiça. 
As duas morais da criança e os tipos de relações sociais 
Mesmo concordando que a mo­ral é um ato social, para Piaget o su­jeito participa ativamente de seu desenvolvimento intelectual e moral e detém uma autonomia possível pe­rante os ditames da sociedade.
As relações interindividuais são divididas em duas categorias:

•  coação: derivada da heteronomia, é uma relação assimétrica, em que um dos pólos impõe suas verda­des, sendo contraditória com o de­senvolvimento intelectual; cooperação: é uma relação simé­trica constituída por iguais, regida pela reciprocidade; envolve acordos e exige que o sujeito se descentre para compreender o ponto de vis­ta alheio; com ela o desenvolvimen­to moral e intelectual ocorre, pois ele pressupõe autonomia e supe­ração do realismo moral.

Em resumo: para Piaget, a coerção é inevitável no início da educação, mas não pode permanecer exclusiva para não encurralar a criança na heteronomia. Assim, para favorecer a conquista da autonomia, a escola pre­cisa respeitar e aproveitar as relações de cooperação que espontaneamente, nascem das relações entre as crianças.

Afetividade e inteligência na teoria piagetiana do desenvolvimento do juízo moral

Para La Taille, o notável na teoria piagetiana é que nela "não assistimos a uma luta entre afetividade e moral"(p.70). Afeto e moral se conju­gam em harmonia: o sujeito autôno­mo não é reprimido mas um homem livre, convencido de que o respeito mú­tuo é bom e legítimo. A afetividade adere espontaneamente aos ditames da razão. Ele considera que na obra "O juízo moral na criança" intui-se um Piaget movido por alguma "emoção", que sustenta um grande otimismo em relação ao ser humano. No entanto, para ele, o estudo sobre o juízo moral poderia ter sido completado por ou­tros que se detivessem mais nos as­pectos afetivos do problema.

problema da afetividade em Vygotsky

Morta Kohl de Oliveira 
Vygotsky pode ser considerado um cognitivista (investigou processos in­ternos relacionados ao conhecimen­to e sua dimensão simbólica), embora nunca tenha usado o termo cognição, mas função mental e consciência. Para ele há uma distinção básica en­tre funções mentais elementares (atenção involuntária) e superiores (atenção voluntária, memória lógica). É difícil compreender cada função mental isoladamente, pois sua essên­cia é ser inter-relacionada com outras funções. Sua abordagem é globalizante. Ele utiliza o termo consciên­cia para explicar a relação dinâmica (interfuncionalidade) entre afeto e in­telecto e, portanto, questiona a divi­são entre as dimensões cognitiva e afetiva do funcionamento psicológi­co. Para ele, não dá para dissociar interesses e inclinações pessoais (aspec­tos afetivo-volitivos) do ser que pen­sa (aspectos intelectuais).

Consciência

Vygotsky concebe a consciência como "organização objetivamente observável do comportamento, que é imposta aos seres humanos atra­vés da participação em práticas sócio-culturais"(p.78). É evidente a fun­damentação em postulados marxis­tas: a dimensão individual é considerada secundária e derivada da dimen­são social, que é a essencial. Carre­ga ainda um fundamento sócio-histórico, isto é, a consciência humana, resultado de uma atividade comple­xa, formou-se ao longo da história social do homem durante a qual a ati­vidade manipuladora e a linguagem se desenvolveram.

As impressões que chegam ao homem, vindas do mundo exterior são analisadas de acordo com categori­as que ele adquiriu na interação so­cial. A consciência seria a própria es­sência da psique humana, o compo­nente mais elevado das funções psi­cológicas humanas e envolve a inter-relação dinâmica e em transformação entre: intelecto e afeto, atividade e representação simbólica, subjetividade e interação social.

Subjetividade e intersubjetividade

As funções psicológicas superio­res, tipicamente humanas, referem-se a processos voluntários, ações conscientemente controladas, meca­nismos intencionais. Apresentam alto grau de autonomia em relação a fatores biológicos, sendo, portanto, o resultado da inserção do homem em determinado contexto sócio-histórico.

O processo de internalização de formas culturais de comportamento, que corresponde à própria formação da consciência, é um processo de constituição da subjetividade a partir de situações de intersubjetividade. Assim, a passagem do nível interpsicológico para o intrapsicológico envolve relações interpessoais e a construção de sujeitos únicos, com trajetórias pessoais singulares e ex­periências particulares em sua relação com o mundo e, fundamental­mente, com as outras pessoas.

Sentido e significado

Para Vygotsky, os processos men­tais superiores são mediados por sis­temas simbólicos, sendo a linguagem o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos. O significado é componente essencial da palavra, o filtro através do qual o indivíduo com­preende o mundo e age sobre ele. Nele se dá a unidade de duas funções bá­sicas da linguagem: a interação soci­al e o pensamento generalizante. Na concepção sobre o significado há uma conexão entre os aspectos cognitivos e afetivos: significado é núcleo estável de compreensão e sentido é o signifi­cado da palavra para cada indivíduo, no seu contexto de uso e relacio­nado às suas vivências afetivas.

A linguagem é, assim, polissêmica: requer interpretação com base em fatores linguísticos e extralingüísticos. Para entender o que o outro diz, não basta 'entender suas palavras, mas também seu pensamento e suas motivações.

O discurso interior

O discurso interior corresponde à internalização da linguagem. Ao lon­go de seu desenvolvimento, a pessoa passa de uma fala socializada (comu­nicação e contato social) a uma fala internalizada (instrumento de pensamento, sem vocalização), correspon­dente a um diálogo consigo mesma.

A afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de Wallon 
Heloysa Dantas 
A teoria da emoção

Para Wallon a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista da construção da pessoa quan­to do conhecimento. A emoção é ins­trumento de sobrevivência típico da espécie humana. O bebê humano, frá­gil como é, pereceria não fosse sua capacidade de mobilizar poderosa­mente o ambiente para atender suas necessidades. A função biológica do choro, por exemplo, é atuar fortemente sobre a mãe, fornecendo o primeiro e mais forte vínculo entre os humanos. Assim, a emoção tem raízes na vida orgânica e também a influencia, um estado emocional intenso, por exem­plo, provoca perda de lucidez.

Segundo Wallon, a atividade emo­cional é simultaneamente social e bio­lógica. Através da mediação cultural (social), realiza a transição do estado orgânico para a etapa cognitiva e raci­onal. A consciência afetiva cria no ser humano um vínculo com o ambiente social e garante o acesso ao universo simbólico da cultura - base para a atividade cognitiva - elaborado e acumu­lado pelos homens ao longo de sua história. Dessa forma, para Wallon, o psiquismo é uma síntese entre o orgâ­nico e o social. Daí sua natureza con­traditória de participar de dois mundos.

A opção metodológica adotada por Wallon é o materialismo dialético. Isso quer dizer que não dá para pensar o desenvolvimento como um processo linear, continuista, que só caminha para a frente. Pelo contrário, é um processo com idas e vindas, contraditó­rio, paradoxal. Assim, sua teoria da emoção é genética (para acompanhar as mudanças funcionais) e dialética.

A origem da conduta emocional depende de centros subcorticais (de expressão involuntária e incontrolável) e torna-se susceptível de controle voluntário com a maturação cortical. Para Wallon, as emoções podem ser de natureza hipotônica ou redutora do tônus (como o susto e a depres­são) e hipertônica ou estimuladora do tônus (como a cólera e a ansiedade).

Características do comportamento emocional

A longa fase emocional da infân­cia tem correspondência na história da espécie humana: é a emoção que garante a solidariedade afetiva e a sobrevivência do indivíduo.

Da função social da emoção resul­tam seu caráter contagioso (a ansie­dade infantil pode provocar irritação ou angústia no adulto, por exemplo) e a tendência para nutrir-se com a pre­sença do outro (uma platéia alimenta uma chama emocional entre os parti­cipantes, por exemplo). Devido a seus efeitos desorganizadores, anárquicos e explosivos, a emoção pode reduzir o funcionamento cognitivo, se a capa­cidade cortical da ação mental ou motora para retomar o controle da si­tuação for baixa. Se a capacidade cortical for alta, soluções inteligentes poderão ser encontradas.

Para Wallon não existe estado não emocional. Até a serenidade exprime emoção. Assim, a educação da emo­ção deveria ser incluída entre os pro­pósitos da ação pedagógica para evi­tar a formação do "circuito perverso de emoção": a emoção surge num momento de incompetência do su­jeito e, não conseguindo transformar-se em atividade racional, provoca mais incompetência. O efeito desorganizador da emoção concen­tra a sensibilidade no próprio corpo e diminui a percepção do exterior.

Afetividade e inteligência

O ser humano é afetivo por exce­lência. É da afetividade que se diferen­cia a vida racional. No início da vida, afetividade e inteligência estão sincreticamente misturadas. Ao longo do desenvolvimento, a reciprocidade se mantém de tal forma que as aquisições de uma repercute sobre a outra. A pes­soa se constitui por uma sucessão de fases com predomínio, ora do afetivo, ora do cognitivo. Cada fase incorpora as aquisições do nível anterior.

Para evoluir, a afetividade depende da inteli­gência e vice-versa. Dessa forma, não é só a inteligência que evolui, mas tam­bém a emoção. Com o desenvolvimen­to, a afetividade incorpora as conquis­tas da inteligência e tende a se racio­nalizar. Por isso, as formas adultas de afetividade são diferentes das infantis No início a afetividade é somática, tônica, pura emoção. Alarga seu raio de ação com o surgimento da função simbólica. Na adolescência, exigências racionais são colocadas: respeito recíproco, justiça, igualdade de direitos. 
Inteligência e pessoa

O processo que começa com a simbiose fetal tem por horizonte; individualização. Para Wallon, não há nada mais social do que o processo pelo qual o indivíduo se singulariza, em que o eu se constrói alimentando-se da cultura, sendo que o destino humano, tanto no plano individual quanto no social, é uma obra sempre inacabado.

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