20/08/2013

REFLEXÕES SOBRE ALFABETIZAÇÃO Emília Ferreiro


 

PREFACIO

Telma Weisz, ao escrever o prefá­cio do livro de Emília Ferreiro, afirma que o mesmo não traz para o leitor nenhum novo método, nem novos testes, nada que se pareça com uma solução pronta. Porém, a autora (Fer­reiro) oferece ideias a partir das quais é possível repensar a prática escolar da alfabetização, por meio dos resul­tados obtidos em suas pesquisas científicas.

Emília Ferreiro, Doutora pela uni­versidade de Genebra, teve o privilé­gio de ter sido orientanda e colabora­dora de Jean Piaget. Ferreiro realizou suas pesquisas sobre alfabetização, principalmente, na Argentina, país onde nasceu e também no México.

Anteriormente às pesquisas de Ferreiro, a crença implícita quanto à questão de alfabetização era de que tal processo começava e acabava na sala de aula e que a aplicação do método correto garantia ao profes­sor o controle do processo de alfa­betização dos alunos.

Na medida em que um número maior de alunos passou a ter acesso a educação, ampliou-se também o número do fracasso escolar. Na au­sência de instrumentos para repensar a prática falida e os fracassos escolares, passou-se a buscar os culpados: os alunos, a escola e os professores. Tal momento promoveu uma revolu­ção conceitual, principalmente no que se refere à alfabetização.

As pesquisas de Ferreiro e de seus colaboradores romperam o imobilis­mo lamuriento e acusatório, im­pulsionando um esforço coletivo na busca novos caminhos para que o educador rompa o circulo vicioso da reprodução do analfabetismo.

APRESENTAÇÃO

Por Emília Ferreiro.

Ferreiro afirma que o livro apresen­ta quatro trabalhos produzidos em momentos diferentes, porém dentro da mesma linha de preocupação que é o de contribuir para uma reflexão sobre a intervenção educativa alfabetizadora, a partir de novos dados oriundos das investigações sobre a psicogênese da escrita na criança. Suas investigações evidenciam que o processo de alfabe­tização nada tem de mecânico, do pon­to de vista da criança que aprende.

Destaca que a criança desempenha um papel ativo na busca da compre­ensão desse objeto social, complexo, que é a escrita.

Capítulo17

A REPRESENTAÇÃO DA LINGUAGEM E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO

Ferreiro destaca que, tradicionalmente, a alfabetização é considera­da em função da relação entre o método utilizado e o estado de 'maturidade' ou de 'prontidão' da criança. Os dois pólos do processo de aprendizagem - quem ensina e quem aprende - têm sido considerados sem levar em consideração o terceiro ele­mento da relação que é a natureza do objeto de conhecimento envolven­do esta aprendizagem.

A partir desta constatação, a autora aborda de que maneira este ob­jeto de conhecimento intervém no pro­cesso utilizando uma relação tríade: de um lado, o sistema de representa­ção alfabética da linguagem com suas características específicas: por outro lado as concepções de quem aprende (crianças) e as concepções dos que ensinam (professores),  so­bre este objeto de conhecimento.

1. A Escrita como Sistema de Representação

A escrita pode ser considerada como uma representação da linguagem ou como um código de transcrição grá­fica das unidades sonoras. A autora destaca que a invenção da escrita foi um processo histórico de construção de um sistema de representação e não um sistema de codificação.

Dessa forma, se considerarmos o sistema de representação do número e o sistema de representação da lin­guagem, no início da escolarização, as dificuldades que as crianças enfren­tam são dificuldades conceituais se­melhantes às da construção do siste­ma e por isso pode-se afirmar que, em ambos os casos, a criança reinventa esses sistemas, ou seja, para pode­rem se servir desses elementos como elementos de um sistema, as crian­ças devem compreender seu proces­so de construção e suas regras de pro­dução, o que coloca o problema epistemológico fundamental: qual é a natureza da relação entre o real e a sua representação.

A partir dos trabalhos de Saussure já concebemos o signo linguístico como a união indissolúvel de um significante com um significado. É o caráter bifásico do signo linguístico, a natureza complexa que ele tem e a re­lação de referencia o que está em jogo.

As escritas do tipo alfabético, e mesmo as silábicas, poderiam ser caracterizadas como sistemas de re­presentação cujo intuito é represen­tar as diferenças entre os significantes; enquanto que as escritas do tipo ideográfico poderiam representar di­ferenças nos significados.

Se concebermos a escrita como um código de transcrição do sono­ro para o gráfico privilegiando-se o significante (grafia) dissociado do sig­nificado, destruímos o signo linguístico por privilegiamos a técnica e a meca­nização. 
Se concebermos aprendera língua escrita como a compreensão da cons­trução de um sistema de representa­ção em que a grafia das palavras e seu significado estão associados, (apropriação de um novo objeto de conhecimento) estaremos realizando uma aprendizagem conceitual.

2 - As concepções das crianças a respeito do sistema de escrita

A criança realiza explorações para compreender a natureza da escrita e isto pode ser observado através das suas produções espontâneas, que são valiosos documentos que precisam ser interpretados para poder ser avaliados.

As escritas infantis têm sido con­sideradas como garatujas e 'puro jogo'. Aprender a lê-las, ou seja, interpretá-las é um aprendizado que requer uma atitude teórica definida. Nas práticas escolares tradicionais, há uma concepção de que a criança só aprende quando submetida a um en­sino repetitivo. No entanto, elas igno­ram que devem pedir permissão para começar a aprender. Saber algo a res­peito de certo objeto não significa sa­ber algo socialmente aceito como 'conhecimento'. 'Saber' significa ter construído alguma concepção que explica certo conjunto de fenômenos ou de objetos da realidade.

Ferreiro, analisando as produções espontâneas das crianças, através de suas pesquisas confirmou que as mesmaspossuem hipótese / ideias / teorias sobre a escrita, apresentan­do uma evolução psicogenética.

As primeiras escritas infantis apa­recem, do ponto de vista gráfico, como linhas onduladas ou quebradas, contínuas ou fragmentadas, ou como uma série de elementos discretos re­petidos. A aparência gráfica não é garantia de escrita, a menos que se conheçam as condições de produção.

No referencial tradicional, as pro­fessoras prestam atenção nos aspec­tos gráficos das produções das cri­anças, ignorando os aspectos cons­trutivos. Do ponto de vista construti­vo, a escrita infantil segue uma linha de evolução surpreendentemente re­gular e podem ser distinguidos três grandes períodos no interior dos quais cabem múltiplas subdivisões.

Para executar suas ideias (em seus escritos) a criança: 
a) faz distinção entre a modo de representação icônico (figura­tivo) e não icônico (não-figu­rativo). 
b) constrói formas de diferenciação; faz diferenciação intrafigural que consistem no estabelecimento de propriedades que um texto deve possuir para poder ser interpretável. Os critérios intrafigurais se expressam sobre o eixo quantitativo (mínimo de três letras) e sobre o eixo qualitativo (variação de caracteres); faz a di­ferenciação interfigurais que é a criação de modos sistemáticos de diferenciação entre uma es­crita e a seguinte, para garantir a diferença de interpretação que será atribuída, 
c) desvela a fonetização da escri­ta (descobre a relação som / grafia), começa com o perío­do silábico e culmina no perío­do alfabético. 
Ferreiro, analisando a evolução da escrita infantil reconhece quatro pe­ríodos, que denomina como: perío­do pré-silábico, período silábico, período silábico-alfabético e perío­do alfabético.

a) Período Pré-Silábico

As crianças escrevem sem estabelecer qualquer correspondência entre a pauta sonora da palavra e a representação escrita. Escreve coisas diferentes apesar da identidade objetiva das escritas e relaciona a escri­ta com o objetivo referente (Ex. colo­ca mais letras na palavra "elefante' do que na palavra borboleta - Realis­mo Nominal).Exemplos de escrita pré-silábica: 

ILUSTRAÇÃO l a. 
Escrita sem diferenciações interfigurais (Adriana - 4,5 anos).

1. O que você desenhou? Um boneco. 
2. Ponha o nome. (Rabisco.) (a) 
3. O que você colocou? Ale (-seu irmão). 
4. Desenhe uma casinha. (Desenha) 
5. O que é isso? uma casinha. 
6. Ponha o nome. (Rabisco) (b). 
7. O que você escreveu? Casinha 
8. Você sabe colocar o seu nome? (Quatro rabiscos separados) (c). 
9. O que é isso? Adriana. 
10. Onde diz Adriana? (Assinala globalmente) 
11. Por que tem quatro 
pedacinhos?... porque sim. 
12. O que diz aqui? (1°) Adriana. 
13.E aqui (2°) Alberto (- seu pai). 
14.E aqui? (3°). Ale (-seu irmão). 
15.E aqui? (4°) Tia Picha.

 

  1. peixe; (2) o gato bebe leite; (3) galinha; (4) franguinho; (5) pato; (6) patos

 

l LUSTRAÇÃO 2 
Escrita com diferenciação interfigurais (Carmelo 6,2 anos).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(1) Carmelo Enrique Castilho Avellano (uma letra para cada nome). 
(2) vaca. 
(3) mosca 
(4) borboleta 
(5) cavalo 
(6) mamãe como tacos (comida típica mexicana)

b) Período Silábico

A escrita silábica é o resultado de um dos esquemas mais importantes e complexos que se constroem du­rante o desenvolvimento da leitura escrita. É quando se dá a descober­ta de que as representações escritas têm um vínculo com a pauta sonora da palavra: uma letra para cada sí­laba; tantas letras quantas sílabas. No mesmo período - embora não necessariamente ao mesmo tempo - as letras podem começar a adquirir valores sonoros silábicos relativamen­te estáveis as partes sonoras seme­lhantes entre as palavras.

ILUSTRAÇÃO 3a. 
Escrita silábica (letras de forma convencional, mas utilizadas sem seu valor sonoro convencional) cada letra vale por uma sílaba (Jorge, 6 anos).

 

 

(1) ga - to                   (gato)
(2) ma-ri-po-sa                     (borboleta) 
(3) ca-ba-Ilo               (cavalo) 
(4) pez                                   (peixe) 
(5) mar                                   (mar)
(6) el-ga-to-be-be-le-che
'(o gato bebe leite) 
(As palavras foram mantidas no original espanhol para que o processo aqui ilustrado faça sentido).

 

ILUSTRAÇÃO 3b. 
Escrita silábica (vagais com valor sonoro convencional): cada letra vale por uma sílaba (Francisco, 6 anos).
1. FRAN-CIS-CO (Francisco)
2. MA-RI-PO-SA (borboleta)
3. PALOMA (pomba)
4. PA-JA-RO (pássaro)
5. GA-TO (gato)
6. PA- TO (pato)
7. PEZ (peixe)
8. PEZ (2ª tentativa) (peixe – 2ª tentativa )

C) Período Silábico-Alfabético 
O período silábico-alfabético marca a transição entre os esquemas pré­vios em via de serem abandonados e os esquemas futuros em vias de se­rem construídos. Os conflitos prove­nientes do meio social desestabilizam a hipótese silábica e a criança tem coragem de se comprometer em um novo processo de construção.

ILUSTRAÇÃO 4 
Escrito silábico-alfabética (Júlio César, 6 anos) 

 

(1) gato                      (gato)
(2) mariposa                         (borboleta) 
(3) cabaIlo                 (cavalo) 
(4) pez                                   (peixe) 
(5) mar                                   (mar) 
(6) el gato bebe leche    (o gato bebe leite)

(As palavras foram mantidas no original espanhol para que o processo aqui ilustrado faça sentido).

c) Período Alfabético
Consiste no período que a criança descobre que a sílaba não pode ser considerada como unidade, mas que ela é por sua vez, reanalisável em elementos menores.

Neste momento, deve haver uma estruturação dos vários elementos que compõem o sistema de escrita. Trata-se de conhecer o valor sonoro convencional.
a) pelo lado quantitativo não pode estabelecer regularidade dupli­cando a quantidade de letras por sílaba (já que há sílabas com 1,2,3, ou mais letras).
b) pelo lado qualitativo, problemas ortográficos (a identidade de som não garante identidade de letras nem a identidade de le­tras a de sons).

Capítulo 2 - AS CONCEPÇÕES SOBRE A LÍNGUA SUBJACENTE À PRÁTICA DOCENTE

As discussões sobre a prática alfabetizadora têm se centrado sobre os métodos utilizados: analíticos versussintéticos; fonético versus global, etc.

Nenhuma dessas discussões levou em conta as concepções das crian­ças sobre o sistema de escrita.

A nossa compreensão dos proble­mas, tal como as crianças os colo­cam e da sequência de soluções que elas consideram aceitáveis, é, sem dúvida, essencial para um tipo de in­tervenção adequada á natureza do processo real da aprendizagem. Re­duzir esta intervenção ao método uti­lizado é limitar nossa indagação.

É útil se perguntar por meio de que tipos de práticas a criança é introduzida na linguagem escrita e como se apresenta este objetivo no contexto escolar?

Há práticas que levam as crianças a supor que o conhecimento é algo que os outros possuem e que só pode ob­ter da boca dos outros, sem participar dessa construção; há práticas que le­vam a pensar que "o que existe para se conhecer" é um conjunto, estabele­cido de coisas, fechado, sagrado, imu­tável e não modificável. Há práticas que levam a criança a ficar de "fora" do conhecimento, como espectador ou receptor mecânico, sem nunca encon­trar respostas aos porquês.

Nenhuma prática pedagógica é neutra e estão apoiadas nas concep­ções do processo ensino e aprendizagem, bem como o objeto dessa aprendizagem. São essas práticas e não os métodos, que têm efeitos no domínio da língua escrita ou em outros conhecimentos. A reflexão psicopedagógica necessita se apoiar em uma reflexão epistemológica.

A autora destaca que das suas diferentes experiências com profissionais de ensino aparecem três dificuldades conceituais iniciais que necessitam ser esclarecidas:

a) a visão adultocêntrica (adulto já alfabetizado); 
b) confusão entre escrever e de­senhar letras; 
c) e a redução do conhecimento do leitor ao conhecimento das le­tras e seu valor convencional. 
Esclarecendo essas dificuldades iniciais, é possível realizar a análise das concepções sobre a língua escrita subjacentes a algumas dessas práticas: 
a) As polêmicas sobre a ordem em que devam ser introduzidas as atividades de leitura e as de escrita. 
b) Decisões metodológicas: a forma de se apresentar as letras individuais bem como a ordem de apresentação de le­tras e de palavras, o que implica uma sequência do "fácil" ou "difícil".

A autora descreve as experiências pedagógicas realizadas por Ana Teberosky, em Barcelona, baseada em três ideias simples, porém fundamentais:

a) Deixar entrar e sair para buscar informação extra-escolar dis­ponível, com todas as conse­quências disso; 
b) O professor não é mais o único que sabe ler e escrever na sala de aula; todos podem ler e escrever, cada um ao seu nível; 
c) As crianças não alfabetizadas contribuem na própria alfabetização e na dos companheiros quan­do a discussão a respeito da re­presentação escrita de linguagem se torna prática escolar.

CONCLUSÕES

É importante ter claro que as mudanças necessárias para enfrentar sobre bases novas a alfabetização integral não se resolvem com um novo mé­todo de ensino; nem com novos tes­tes de prontidão; nem com novos materiais didáticos.

Segundo Ferreiro, é preciso mudar os pontos por onde nós fazemos pas­sar o eixo central das nossas discussões. Para ela, temos uma imagem empo­brecida da língua escrita e uma imagem empobrecida de criança que aprende, umnovo método não resolve os pro­blemas. É preciso reanalisar as práti­cas de introdução da língua escrita.

Ferreiro acredita ter chegado a momento de se fazer uma revolução conceitual a respeito da alfabetização.

Capítulo 3 - A COMPREENSÃO DO SISTEMA DE ESCRITA: CONSTRUÇÕES ORIGINAIS DA CRIANÇA E INFORMAÇÃO ESPECÍFICA DOS ADULTOS

Escrito por Emília Ferreiro e Ana Teberosky

A leitura e a escrita, há muito são consideradas como objeto de uma instrução sistemática e cuja aprendizagem, suporia o exercício de uma série de habilidades específicas. Mui­tos trabalhos de psicólogos e educa­dores têm se orientado neste sentido.

As autoras realizaram pesquisas so­bre os processos de compreensão da linguagem escrita e abandonaram es­tas ideias, pois, para elas, as atividades de interpretação e de produção da escrita começam antes da escolari­zação como parte da atividade da ida­de pré-escolar. Essa aprendizagem se insere em um sistema de concepções previamente elaboradas e não pode ser reduzida a um conjunto de técnicas perceptivo-motoras.

A escrita não é um produto es­colar, mas sim um objeto cultural que cumpre diversas funções e tem meios concretos de existência especial­mente nas concentrações urbanas.

1. Construções Originais das Crianças

Por meio de diferentes situações experimentais, as autoras obtiveram dentre os resultados o seguinte:

• aproximadamente aos quatro anos, as crianças possuem sólidos critérios para admitir que uma marca gráfica possa ou não ser lida; 
• o primeiro critério é a de fazer uma dicotomia entre o "figu­rativo", por um lado, e o "não-figurativo", pelo outro (icônico e não-icônico). Surge o crité­rio de "quantidade" mínima de caracteres: ambos são constru­ções próprias da criança.

2. Informações Específicas

No desenvolvimento da linguagem existe uma série de concepções que não podem ser atribuídas a uma in­fluência direta do meio, (a escrita em sua existência material). São concep­ções acerca das propriedades estru­turais e do modo de funcionamento de certo objeto.

Ao contrário, existem conhecimen­tos específicos sobre a linguagem escrita que só podem ser adquiridos por meio de outros (leitores adultos ou crianças maiores).

A criança que cresce em meio "le­trado" está exposta a interações, se vê continuamente envolvida, como agente e observador no mundo "le­trado". Os adultos lhes dão a possi­bilidade de comportar-se como leitor, antes de sê-lo, aprendendo precocemente o essencial das práticas soci­ais ligadas à escrita.

3. Algumas Implicações Pedagógicas

A dimensão das questões pode suscitar de imediato uma pergunta: se a compreensão da escrita come­ça a se desenvolver antes de ser en­sinada, qual é o papel, principalmen­te dos professores no que tange à aprendizagem? E a escola?

A transformação desta prática é difícil, mas a Escola pode cumprir um papel importante e insubstituível, aju­dando as crianças, especialmente as filhas de pais analfabetos ou semianalfabetos. O professor é quem pode minorar esta carência, adaptando o seu ponto de vista ao da criança.

Alguns aspectos sobre os quais os professores deveriam estar atentos:

a) Se a escrita remete de maneira óbvia e natural à linguagem, estaremos supervalorizando as capacidades da criança que pode estar longe de ter desco­berta sua natureza fonética. 
b) Em contrapartida, poderíamos menosprezar seus conheci­mentos ao trabalhar exclusiva­mente com base na escrita, como cópia e sonorização dos grafemas. 
c) Não desvalorizar seus esforços para compreender as leis do sistema tratando suas produ­ções como rabiscos. 
d) Avaliar tendo em vista os pro­cessos e intenções e não ape­nas como certo ou errado, do ponto de vista ortográfico.
e) Ênfase na produção de traça­do reduz a escrita a um objeto 'em si', de natureza exclusiva­mente gráfica. 
f) Os problemas que a criança en­frenta em sua evolução não estão sujeitos á qualificativos em termos de "simples" ou "complexos". São os proble­mas que ela pode resolver de forma coerente e não aleatória. 
g) Finalmente, se só nos dirigir­mos às crianças que compar­tilhem alguns de nossos conhecimentos deixaremos dei lado uma grande parte da po­pulação infantil estacionada em níveis anteriores a esta evolu­ção condenando-a ao fracasso.

5. Processos de Aquisição da Língua Escrita no Contexto Escolar

Estamos acostumados a conside­rar a aprendizagem da leitura e da escrita como um processo de aprendizagem escolar (controle sistemá­tico), que há grande dificuldade em considerar que o desenvolvimento da leitura / escrita acontece antes da escolarização.

As crianças ignoram este contro­le e desde que nascem estão cons­truindo objetos complexos de conhecimento e o sistema de escrita é um deles.

A construção de um objeto de conhecimento é muito mais que uma coleção de informações. Implica a construção de um esquema concei­tual, que permite interpretar dados prévios e novos dados, isto é, que possa receber informação e transformá-la em conhecimentos; um esque­ma conceitual que permita processos de interferência acerca das propriedades não-observáveis de um deter­minado objeto e a construção de novos observáveis, na base do que se antecipou e do que foi verificado.

O propósito de controlar o pro­cesso de aprendizagem supõe que os procedimentos de ensino determinam os passos na progressão da aprendi­zagem.

Ferreiro adverte que os estudos de Piaget nos obrigaram a reconhecer a importância de considerar os proces­sos da criança no desenvolvimento cognitivo, obrigando-nos a abando­nar o ponto de vista do adultocentrismo.
A pesquisa de Ferreiro, além da análise qualitativa, apresenta dados quantitativos procurando evidenciar que não se está referindo a uma mi­noria de crianças.

Projeto de Pesquisa na Diretoria Geral de Educação Espacial-Ministério de Educação do México - 1980-1982.
Objetivo Principal Prático - conhe­cer e descrever o processo de apren­dizagem que ocorre nas crianças antes de serem rotuladas como "crian­ças que fracassam".

Objetivo Teórico - saber se as cri­anças que ingressam no 1°. Grau em níveis pré-alfabéticos de concepção leitura/escrita, seguirão com a mes­ma progressão evidenciada por ou­tras crianças antes de entrarem para a escola, a despeito do fato dos mé­todos e procedimentos de ensino pro­curarem conduzi-los diretamente ao sistema alfabético da escrita.

População Alvo - (crianças repe­tentes ou evadidas) de três cidades (México - centro, Monterrey – norte e Mérida - sul) -71 escolas - índice maior de "fracassos" e 159 classes de 1ª série que entravam pela primeira vez na escola.
Amostra - 959 crianças, entrevis­tadas a cada dois meses e meio; fi­nalizou-se o trabalho com 886 des­sas mesmas crianças.

Testagem - foram propostas qua­tro palavras dentro de um dado cam­po semântico (nome de animais ou de alimentos) com variação sistemá­tica no número de sílabas (de 1 a 4 sílabas).

Eventos - 80% de crianças come­çaram o ano pré - silábicas; 13 cri­anças nível alfabético e 11 crianças não terminaram a testagem. Os to­tais finais - de 862 crianças e 3.448 entrevistas.
Padrões Evolutivos - Ao longo do ano escolar:

• 33% passam de um nível de conceitualização sem omitir passo. 
• 38% seguiram passos seme­lhantes, porém omitindo o ní­vel silábico-alfabético. 
• 13% não mostraram qualquer progressão de um nível ao se­guinte e nenhuma permaneceu no silábico-alfabético. 
• (25) crianças que entraram no nível silábico-alfabético não tiveram problemas. 
• 16% passaram do pré-silábico ao alfabético (cumprem as ex­pectativas da escola). 
• 71% passaram por outros tipos de escrita. 
• 52% passaram pelo silábico (451 crianças). 
• 87% ingressaram ao nível silá­bico e chegaram ao alfabético. 
De outra parte, as crianças que ingressaram no pré-silábico (708) não chegaram ao alfabético na mesma proporção. 
• 55,5% (das 393) chegaram ao alfabético. 
• 14,5% (103) chegaram ao si­lábico-alfabético. 
• 15% (107) chegaram ao nível silábico. 
• 14,8% (105) permaneceram ao longo do processo sem com­preender a relação escrita na pauta sonora das emissões.

CONCLUSÃO
A partir dos dados, observa-se que só as crianças de nível silábico ou si­lábico-alfabético apresentam-se "ma­duras" para ingressar no 1° grau. Isto significaria deixar 80% das crianças fora da escola sendo que são as que mais necessitam de escolarização.

CAPÍTULO 4 - DEVE-SE OU NÃO SE DEVE ENSINAR A LER E ESCREVER NA PRE-ESCOLA? UM PROBLEMA MAL COLOCADO

A polêmica sobre a idade ótima para o acesso à língua escrita ocu­pou milhares de páginas escritas por vários pesquisadores.
O problema sempre foi colocado tendo por pressuposto serem os adul­tos que decidem quando essa apren­dizagem deverá ou não ser iniciada.
Para Ferreiro, a função da pré-escola deveria ser de permitir às cri­anças que não tiveram convivência com a escrita, informações básicas sobre ela, em situações de uso so­cial (não meramente escolar).

Para tanto é necessária imagina­ção pedagógica para dar às crianças oportunidades ricas e variadas de interagir com a linguagem escrita:

• Formação psicológica para compreender as respostas e as perguntas das crianças. 
• Entender que a aprendizagem da linguagem escrita é muito mais que a aprendizagem de um código de transcrição e sim a construção de sistema de representação.

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